Síndrome de Felicidade Clandestina. O título com cara de doença psicológica desse post é como defino a minha mania de adiar certas leituras, certos filmes, certas coisinhas por fazer. Todas ligadas à minha diversão pessoal. É bom deixar claro que em matéria de prazo para matérias, fechamentos e outras pressões inerentes ao exercício do jornalismo, sou tão estressada como a maioria dos jornalistas que eu conheço. Pelo menos os da minha geração, que tiveram o privilégio de concluir uma matéria com o editor sentado ao lado, tamborilando na mesa e marcando os minutos que você tem para encerrar o parágrafo, aprenderam desde cedo que prazo é fundamental.
No entanto, na vida pessoal, em que eu mesma determino meus fechamentos, sigo a máxima instituída por Clarice Lispector no seu conto genial – Felicidade Clandestina – o meu preferido, um dos melhores já escritos na língua portuguesa.
O conto, para quem não sabe, narra a história de uma menina que quer muito ler o livro Reinações de Narizinho. Depois de peregrinar dias e dias até a casa da coleguinha que possui o livro, ela finalmente o consegue emprestado e com a frase: “fique o tempo que quiser com ele”. O tempo que a gente quiser é a melhor medida de tempo que existe. Daí a síndrome de felicidade clandestina.
Espero o tempo que eu quiser para ler, assistir ou fazer qualquer coisa que esteja fora do circuito das obrigações trabalhistas. Por causa da síndrome, nunca leio o livro mais lido do momento antes que parem de falar dele o suficiente para que, ao ler, não esteja contaminada com os dizeres alheios e possa tirar minhas próprias conclusões. Também devido ao anseio pelo prazer contido no ato de possuir algo, mas só tomar posse de fato quando eu quiser, adio assistir filmes na estreia. Não vou ao cinema quando todo mundo vai, não compro ingressos antecipadamente. Muitas vezes, só vejo um filme quando ele sai em DVD, quando estou no dia certo para aquele tipo de filme.
Pode levar anos, mas não tenho pressa nenhuma. Aprendi a viver sob a síndrome da felicidade clandestina depois dos 25 anos, obviamente. Antes disso, tudo era motivo para uma correria desabalada. Mas a passagem do tempo no nosso próprio corpo e espírito é tão sutil, tão no seu ritmo próprio, que com a maturidade veio a certeza de que não adianta correr, não vou assistir e ler tudo o que eu quero assistir e ler até o dia de minha morte. Pelo simples fato de que a produção intelectual da humanidade supera em muito meu tempo de vida. Então, se não vou mesmo ter tudo, nada de errado em escolher, dentro do meu tempo, aquilo que me agrada por motivos puramente meus, passionais e intransferíveis…
P.S.: Neste fim de semana assisti Ray, a cinebiografia sobre Ray Charles lançada em 2004, no ano da morte do ídolo do soul. Cinco anos depois me deparei com a história belíssima da vida de um dos artistas que, como boa parte dos amantes da música, admiro. Conto para vocês amanhã as minhas impressões sobre o filme…
P.S 2.: Também soprei a poeira da coleção Guia do Mochileiro das Galáxias, uma coletânea de livros escritos por Douglas Adams e que acabou virando uma adaptação insossa no cinema. A leitura é completamente nonsense, mas muito divertida. Também conto o que achei quando terminar…
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