“Não quero meu nome em boca de Matilde!”

“Quem das palavras tem experiência sabe que delas se deve esperar tudo.”
(José Saramago)

Se eu te disser que o tema do post é fofoca, se for um leitor homem, vai logo pensar: “ih, fofoca é coisa de mulher”. Se for mulher, vai imaginar que a intenção é fazer fofoca da vida de celebridades ou da vida alheia em geral. Nesse caso, sendo homem ou mulher “vai dar uma espiadinha”. Pois bem, lá vai: o post é sobre fofoca, mas não do jeito que você está pensando…
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Para começo de conversa, fofoca não é coisa de mulher. Os homens fofocam e muito. Aliás, a história social da humanidade mostra que as fofocas que fizeram história, aquelas que derrubaram reis e rainhas, mancharam reputações políticas e até levaram nações à guerra, ora vejam só, foram espalhadas por homens. Na literatura, sempre tem uma vizinha mexeriqueira ou um amigo daqueles muito preocupados (o agregado da família, Machado de Assis que o diga, também serve), para deixar escapar alguma informação assim como quem não quer nada, principalmente se envolve traição amorosa. No popular, todos tentamos, na medida do possível, evitar que nossos nomes caiam “em boca de Matilde”. Sabe Deus porque escolheram justamente o nome Matilde para simbolizar as fofoqueiras. Coitadas das matildes que vivem neste mundo, que injustiça! Mas o certo é que, “cair em boca de matilde”, desde os tempos dos nossos tataravós é sinônimo de estar literalmente na boca do povo. Um lugar nada confortável de se estar, vale ressaltar.
fofocaPor que escrever sobre fofoca? Porque me surpreendo com a capacidade que as pessoas tem de inventar boatos sobre a vida alheia, seja essa vida cercada de holofotes ou apenas o novo funcionário da repartição. Aliás, no imaginário popular, os funcionários públicos -, que por serem públicos estão sujeitos aos comentários do povo, que se apropria, lógico, de tudo que é público -, são tanto associados à preguiça (vide os paletós no encosto da cadeira) quanto ao ato de fofocar. Claro, fofoca e indolência andam juntas. Na falta do que fazer, nada mais eficiente para espantar o tédio do que a frase “me contaram que…”

Justiça seja feita, os servidores públicos não merecem carregar esse fardo sozinhos, nem da indolência e nem da fofoca, porque quase todo mundo, não importa em que setor trabalha, em algum momento da vida, deu ou dará uma enrolada básica no serviço, ou fez e fará, nem que seja um comentário maldoso, tendo como alvo outra pessoa.

Não é defesa da fofoca, ao contrário, acredito que o ato de inofensivo não tem nada, que o diga a família real britânica, vítima de fofocas à gerações. Que sina!

Fofocar, além de não ser inofensivo, também não é saudável. A diversão, essa só existe para quem espalha o boato. E, cá entre nós, que jeitinho mórbido de se divertir heim!

Para as vítimas da fofoca, além de não ter graça, a fofoca pode causar sérios danos. “Aaah, mas uma fofoquinha de nada… Quem não quer saber com quem a atriz tal está ficando?” Você se questiona. Eu contra-ataco, e a gente realmente precisa saber disso? A indústria da fofoca, a meu ver, é rentável apenas para os editores de revistas que exploram o tema e para os empresários das celebridades, que usam os boatos como estratégia de marketing. De minha parte, prefiro deixar Matilde, os funcionários públicos e as estrelas de primeira ou quinta categoria, em paz, com suas vidinhas. “Cada um no seu quadrado”.

FOFOCA NA HISTÓRIA

O antropólogo Jean-Noel Kapferer entende a fofoca como a mídia mais antiga do mundo. Ele justifica a afirmação usando como exemplo o período em que a imprensa ainda não existia e as informações precisavam ser repassadas para as pessoas no velho esquema boca-a-boca. Ou seja, do neolítico superior até Gutemberg (no século XV), a única forma de obter informações sobre alguém ou alguma coisa era através de comentários. Daí para a maledicência foi um pulo.

elisabeth-iNa Inglaterra do século XVI, a rainha Elizabeth I, filha de Henrique VIII com Ana Bolena, foi alvo constante de fofocas. Especulava-se sobre filhos ilegítimos, já que a rainha manteve a castidade como um símbolo do seu reinado. Elizabeth I foi a primeira famosa da história a ter a virgindade comentada. Prática muito adotada nos dias de hoje na vida de atrizes e cantoras que alardeiam aos quatro cantos o seu estado de pureza eterna.

Outras vítimas famosas de fofoca ao longo da história foram o último czar da Rússia, Nicolau II, deposto em 1917 pela revolução comunista; Benito Mussolini, ditador italiano, cujas fofocas acabaram ajudando na implantação do regime fascista; e, no Brasil, D. Pedro I, cujo romance com a Marquesa de Santos rendeu quilômetros de pano para a manga.

DICA DE LEITURA:

Boatos: a mais antiga mídia do mundo
Autor: Jean-Noel KAPFERER
Editora: Forense Universitária, Rio de Janeiro

Tratado geral sobre a fofoca – uma análise da desconfiança humana
Autor: José Angêlo GAIARSA
Editora: Summus

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