Resenha: Este post precisou ser removido

O livro de Hanna Bervoets reflete o lado sombrio das redes sociais
(Foto: Andreia Santana/@blogmardehistorias)

O lado sombrio das redes sociais e o trabalho adoecedor de moderador de conteúdo nesses espaços de interação da internet é o cenário e o pretexto para Este post precisou ser removido, romance no qual a escritora holandesa Hanna Bervoets disseca as paranoias da hiper-conectividade e desmistifica o trabalho em uma big tech.

Ao menos, o trabalho ‘uberizado’ dos terceirizados que prestam serviço para as big tech. Spoiler: difere e muito das maquininhas de fliperama, mesas de pingue-pongue e almofadões coloridos para relaxar nas ‘pausas criativas’.

O capitalismo, na verdade, no modelo predatório em que se baseia, prevê bem poucas pausas, que o digam os trabalhadores do Google e de outras mecas do Vale do Silício.

Na história, Kayleight, a protagonista, vai trabalhar em uma empresa de moderação que cuida dos conteúdos da ‘rede social’. A companhia não é nomeada, mas a autora se inspirou em artigos, reportagens e estudos sobre os impactos dos vídeos, áudios e fotos postados basicamente no Facebook e alguns no ex-Twitter, que verdade seja dita, já era um esgoto bem antes de ser comprado pelo bilionário que manda liberar perfis de grupos nazistas e políticos com aspirações ditatoriais.

Kayleight é a narradora e o leitor só conhece os fatos pelo ponto de vista dessa jovem que, nitidamente, está bastante alterada depois de meses de trabalho como moderadora. O impacto da exposição à violência e aos discursos de ódio, negacionismos e conspirações que sobram nas redes, provoca uma série de problemas tanto na protagonista quanto em sua namorada e nos demais colegas de trabalho.

Se, no mundo fora dos livros, funcionários de call center desenvolvem uma série de transtornos psicológicos por conta da pressão das chefias e do atendimento ao público – e convenhamos que o público nem sempre é fácil de lidar -; os trabalhadores da moderação, literalmente, perdem o juízo junto com a fé na humanidade e desenvolvem desde depressão até síndrome do pânico. Isso quando também não se tornam fanáticos cooptados pelas teorias mirabolantes. No mínimo, herdam crises de ansiedade graves.

Tem estudos que abordam desde as condições insalubres de trabalho, com pausas impossíveis para ir ao banheiro ou se alimentar, até metas sobre-humanas a serem cumpridas. Há ainda pesquisas sobre os efeitos da exposição prolongada ao que há de mais tóxico na internet, ao chorume das redes, nos usuários de diversas faixas etárias e nos trabalhadores da moderação.

Nos primórdios dos grandes sites de notícias, alguns portais tentaram manter equipes de moderação, até que o volume de material para analisar inviabilizou a prática. As redações tomaram dois caminhos: o da automoderação, ou seja, deixar que os usuários dos fóruns atuassem como juízes uns dos outros (alguns portais ainda são assim, embora o resultado seja o bang-bang de sempre); ou então fechar as postagens, impedindo comentários nos espaços do site.

Daí, vieram as redes sociais e todo mundo passou a destilar seus ódios ou enaltecer seus amores nesses espaços. Até hoje, enquanto se buscam leis efetivas, as redes seguem como suposta terra de ninguém, embora hoje já seja possível processar autores de ataques racistas, xenófobos e de ameaças de todo tipo, podendo inclusive, render multa, prisão e outras punições da esfera criminal.

Só que, saindo do campo dos comentários, a produção e disseminação de material de audiovisual mal intencionado, como cenas de crueldade com animais, exploração sexual de crianças e adolescentes, práticas de tortura e outras barbaridades, é onde estão as zonas sombrias da internet visitadas por Bervoets em seu romance.

E, infelizmente, material para a pesquisa da autora não falta. Qualquer pessoa minimamente dotada de senso crítico já entendeu que a internet é um inferno de sete circulos ou um purgatório onde nadam os ‘isentões’ de ‘bem’. Paraíso mesmo, como foi prometido com o advento da tecnologia e da comunicação todos-todos, até tem, mas está acabando, cada vez mais raro de se ver…

Para saber mais sobre o assunto:

Além da bibliografia que Bervoets elenca no final do seu romance, sugiro a quem quiser se aprofundar no tema: essa reportagem do Nexxo, que enumera cinco livros para quem quer entender a desinformação nas redes; três títulos publicados pela Ubu e Todavia: O mundo do avesso (Letícia Cesarino, Ubu), A máquina do caos (Max Fisher, Todavia) e Terra arrasada (Jonathan Crary, Ubu); e ouvir Tecnocracia, podcast do ex-jornalista especializado em tecnologia Guilherme Felliti.

Ficha Técnica:
Este post precisou ser removido
Autora: Hanna Bervoets
Editora: Rua do Sabão, 2023
200 páginas
R$ 41,25 (livro físico, brochura, Amazon) e R$ 14,90 (e-book, Kindle)

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*Lido para o desafio #50livrosate50anos, brincadeira que criei para comemorar meu aniversário. Em abril de 2024 eu faço 50 anos. A ideia é ler 50 livros até 30/04 e, se possível, resenhar ou fazer um breve comentário aqui no blog e no Instagram, sobre cada um deles. Este post precisou ser removido é o livro 38 do desafio. No total, até agora, 41 foram lidos, tem 09 na fila de leitura e três dos lidos aguardam postagem.

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