Mau-olhado

Minha avó era daquelas velhas de antigamente, do interior, que acreditavam que toda criança corada e gordinha era uma vítima em potencial de mau-olhado. E não bastava chamar uma rezadeira das boas, no mínimo, uma vez por mês, para manter o escudo protetor ao meu redor, era preciso tomar medidas diárias de profilaxia para combater o olho gordo (cruz credo!), que poderia levar um bebê viçoso a minguar. E o dono do olhar de seca pimenteira tanto poderia ser uma vizinha (ou vizinho), como a minha médica pediatra! Naquele dia, minha mãe me levou à consulta de rotina. Eu ainda usava fraldas e estava na fase biométrica do primeiro ano de vida (sei da história porque é um dos folclores domésticos). Como nasci asmática, além do pesar e medir de sempre, para ver se o meu desenvolvimento era compatível com a idade, as consultas serviam ainda para acompanhar a evolução da doença. Quem me preparou para a consulta foi minha avó. Mamãe me pegou em casa, já tomada banho, vestida e cheirando a alfazema e seguimos para o médico. Sala de espera, a recepcionista chama, entramos na sala da doutora. Os “como-vai” de praxe, a clássica pergunta sobre como está a criança, se há algum motivo especial para a consulta ou se é só a rotina, falam da alimentação e de outras trivialidades materno-pediátricas. Não posso descrever com precisão o diálogo das duas porque ainda não havia descoberto a fala e seja lá o que for que eu pensava aos oito meses de vida, com certeza já não lembro mais. Provavelmente, fazendo jus ao shape “bebê saudável e corado”, imaginava quando veria a próxima mamadeira. Chegou a hora de ser levada para a maca de exames. Minha mãe me colocou sobre a maca e começou o ritual de me despir. Tirou casaquinho, macacão, sapatinho de lã e finalmente, a fralda, que naquele tempo era de pano (lavada e posta para secar e tomar sol na corda do quintal). De repente, mamãe ficou mais roxa que uma beterraba, de tanta vergonha. Dentro da fralda não havia o que se espera que haja na fralda de um bebê, mas dezenas de folhas verdinhas, algumas já meio murchas, de guiné e arruda, notórias plantas para cortar o efeito do mal. As folhas foram colocadas pela minha avó, claro, para garantir proteção extra tanto no trajeto de casa até a clínica quanto durante a consulta. Sabe-se lá o que os olhos da pediatra eram capazes de fazer comigo, mero bebê indefeso. Quase 40 invernos depois, já adulta, não pude deixar de rir ao relembrar a história contada há anos na minha família, sobre as folhas de guiné nas minhas fraldas durante uma consulta médica. Evoquei esse eco tão remoto da infância por conta de um desses episódios prosaicos do cotidiano e que vira e mexe acontecem comigo. Neste domingo, estava diante da pia do banheiro de um shopping center, lavando as mãos e o rosto após almoçar, quando uma senhora miúda, que bem poderia ser a minha avó, chegou perto e sussurrou: “Deus benza o seu cabelo, minha filha”. Espantada por receber uma bênção de uma estranha e num lugar tão inusitado, respondi assim meio abobalhada: “Amém!” e depois segui para encontrar meu filho e minha mãe, que aguardavam ansiosos, para a sobremesa: sorvete de casquinha…

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