…Era uma vez uma árvore
Samaa tem quase 13 anos e nunca viu uma árvore de pé. Tudo o que a sua vista alcança, no assentamento onde vive com a família, é árido, esturricado, desolado. Boa parte do planeta é assim, pois o deserto avança inclemente sobre os últimos sobreviventes da espécie humana, herdeiros da culpa de seus antepassados, que poluíram, desmataram, exterminaram a vida na Terra. Na distopia A caçadora de árvores (Companhia Editora Nacional, 2022), a escritora francesa Marie Pavlenko usa a literatura como ferramenta para defender a causa ambiental.
De forma didática, porém com escrita envolvente, a autora fala de um futuro sombrio, onde a morte das árvores provoca um colapso em toda a biodiversidade do mundo. O livro tem foco no público adolescente, mas a leitura é recomendada para adultos que gostam de distopias e se interessam por ecologia.
São menos de 200 páginas de uma viagem literária com raízes fincadas na realidade, mas narrada de forma contemplativa, quase filosófica, pela voz de uma menina em processo de autodescoberta e busca de autonomia e equidade. Samaa é questionadora e tenta entender porque as garotas precisam ficar no assentamento, enquanto os rapazes são os ‘heróis’ de seu povo por caçarem árvores.
A história é contada em primeira pessoa pela adolescente protagonista e é pelos olhos dela que o leitor vai descobrindo aos poucos esse novo mundo rústico, opressivo, esgotado e desesperado, que lembra bastante a saga Mad Max,principalmente a versão mais atual, Mad Max: Estrada da fúria. Os pobres, como sempre, vivem nos assentamentos, esfomeados e dependentes das coisas fabricadas na única cidade que restou, onde em torres que quase tocam o céu, moram os ricos.

(Imagem: Pixabay)
Para conseguir água [um gel com propriedades hidratantes] é preciso ‘caçar’ as últimas árvores da Terra, as que sobreviveram ao apocalipse e à destruição das antigas florestas, parques e reservas. Escondidas em fendas que surgem no meio do deserto, as árvores tentam se preservar da voracidade humana. Derrubadas, vão alimentar as fornalhas da cidade das torres.
A autora, no decorrer da história, explica sobre o quanto a morte das árvores significou o princípio do fim do planeta e da espécie humana, que inclusive agora vive errando por vastidões desoladas, sempre em busca de comida, de algum resquício de água, desenraizada como as próprias árvores derrubadas e sem memória, sem cultura, sem livros. Samaa, por sua vez, aprende à duras penas as valiosas lições que uma idosa do assentamento, a última humana que ainda lembra do mundo de antes, tenta ensinar aos mais jovens.
Dados reais
Marie Pavlenko, que nasceu em Lille, na França, nos anos 1970, se inspirou em um período de sua vida em que morou no Oriente Médio, daí oferecer descrições tão vívidas das paisagens desérticas e da vida em comunidades tribais. Ela também recheia o livro com dados bastante reais sobre devastação ambiental. E o que não faltam são dados. Em rápida pesquisa para compor essa resenha, encontrei alguns que vale destacar:
Em 2015, a Nature publicou um estudo que revelava que nos cerca de 12 mil anos em que os humanos passaram a praticar a agricultura, quase três trilhões de árvores foram derrubadas. A população de árvores do planeta era calculada em 5,8 trilhões antes do advento agrícola e de tudo o que veio na sequência. A natureza levou bilhões de anos para criar esse manto verde que a humanidade reduziu drasticamente em alguns milênios.
No Brasil, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), desde 2015 emite alertas de desmatamento da Amazônia e de outros biomas do país. Enquanto escrevia esse texto, o Inpe divulgou os números de fevereiro de 2023. Segundo o órgão, as áreas sob alerta de desmatamento na Amazônia Legal subiram para 321,9 km², aumento de 62% em relação a 2022 e o pior índice para um mês de fevereiro em toda a série histórica. No Cerrado, a devastação foi pior e registrou um aumento de 97% em relação a 2020, chegando a 557,8 km². Os dois biomas perderam quase 880 km² somente em fevereiro de 2023.
Vale lembrar que o primeiro produto explorado no Brasil pelos ‘colonizadores’ foi o pau-brasil, espécie de árvore que foi derrubada aos milhões porque dela se extraia um corante vermelho muito apreciado nas cortes europeias. Motivo mais fútil para desmatar a ponto de praticamente extinguir uma espécie do que tingir mantos reais de carmim, eu desconheço.
Diante de um cenário apocalíptico, as distopias dos livros já não parecem mais meras histórias. E a saga de Pavlenko se junta aos alertas ambientais que vêm sendo feitos há décadas, sempre ignorados ou menosprezados por quem acredita, ingenuamente, que a capacidade da Terra de se regenerar é maior do que a da humanidade de destruir.
A autora, de fato, reveste sua narrativa de uma missão desesperada de salvamento. E a mensagem que ela tenta passar, apesar de toda a secura ao redor, é de esperança…
O exemplar que eu li:
É a versão em e-book da publicação da Companhia Editora Nacional. Acessei via Skeelo Books, mas não veio no meu pacote de assinante mensal do serviço, foi um extra. O Skeelo costuma fazer pesquisas de opinião com os assinantes e sempre disponibiliza um e-book extra para quem topa participar das pesquisas, geralmente relacionadas a hábitos de leitura, avaliações do serviço oferecido por eles, gêneros preferidos, etc., nada que implique dados sensíveis. Eles sempre oferecem de 10 a 12 opções de e-book ‘brinde´ para o assinante escolher. E o título desse livro me chamou a atenção. Nunca tinha lido nada de Marie Pavlenko, mas gosto bastante de conhecer novos autores, principalmente, novas escritoras…

A caçadora de árvores
Autora: Marie Pavlenko
Tradução: Sofia Soter
Companhia Editora Nacional, 2022
Gênero: Distopia
Classificação: a partir dos 12 anos
176 páginas
*R$ 31,90 (livro físico, Amazon) ou R$ 27,90 (E-book Kindle).
Disponível também para assinantes do Skeelo Books
*Pesquisa em 09/03/2022