Reflexões sobre o estar no mundo

Da série Migrações

Condomínios de luxo privatizam pequenas zonas de vegetação, remanescentes da antiga Mata Atlântica, que na época dos tupinambás, fazia da costa baiana (de todo o litoral brasileiro, na verdade) um grande lençol verde esmeralda.

Já falei do advento dos vilas privilege e hortos bela vista em outras ocasiões e do quanto me causa espanto ver a paisagem da região onde moro alterada por canteiros de obras que se multiplicam velozmente. Saramago, antes de mim, registrou em A Caverna suas impressões a respeito dos grandes complexos ‘more-trabalhe-e-divirta-se’ no mesmo espaço. No entanto, com a leitura de Tempos Líquidos, do sociólogo polonês Zigmunt Bauman,volto ao tema, agora ancorada pelas palavras do autor, que me levaram a refletir sobre o estar no mundo dos moradores dessas ilhas de progresso, segurança e bem viver.

Segundo o sociólogo, os moradores dos mega complexos habitacionais, com suas câmeras de vigilância, seguranças cercando todo o perímetro da propriedade e seus serviços de primeiríssima linha, todos confinados intramuros, transformam a todos nós, que vivemos fora da bolha, em refugiados do lado de cá das cercas de um campo semelhante àqueles que amontoam homens, mulheres e crianças no Quênia, guardadas as devidas proporções, lógico, porque alguns de nós, moradores do lado de cá dos muros, consegue sobreviver com muito mais conforto que os enjeitados pela globalização, que buscam refúgio em campos sem a menor condição de moradia, que dirá de preservação da identidade ou da dignidade humana.

Aqui mesmo, no mundo real extra bolha, basta andar nas ruas para ver que as nossas reclamações de classe trabalhadora, com o cartão de crédito estourado e o salário insuficiente para manter uma família sem entrar no vermelho ao menos uma vez por mês (geralmente no final, quando o salário acabou), não passam de choradeira com a barriga muito bem forrada, diante do quadro de degradação que se espalha pelas esquinas, de mãos estendidas.

Tudo o que escrevo aqui, talvez, sirva apenas para apaziguar minha consciência de quem tem onde morar, come no mínimo três vezes por dia e está inserida no universo virtual, navegando com uma certa desenvoltura na rede de conexões em que a vida moderna se transformou.

Não estou dentro da bolha, mas também não sou refugiada social. Eu e boa parte das pessoas que conheço estão no meio termo, rejeitam o luxo desmedido dos mega complexos, ninguém precisa de tanto para viver, mas também não querem, jamais, experimentar a miséria extrema na própria pele.

É angustiante.

Um pensamento sobre “Reflexões sobre o estar no mundo

  1. Olá Andreia,
    Meu nome é Bruna e trabalho na Edelman, agência de comunicação da Jorge Zahar Editor.
    Parabéns pelo blog!
    Aproveitando que você citou obra de Bauman neste post. Quero deixar mais uma dica, o último lançamento do autor: “Confiança e Medo na Cidade”, onde ele faz uma análise sobre a situação atual das grandes cidades movidas a medo http://www.zahar.com.br/catalogo_detalhe.asp?id=1243. Acredito que irá gostar!
    Abraços

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