Provavelmente vai ter alguém achando que este post é só o desabafo de uma gordinha magoada e ressentida. Mas passa longe disso. Antes, é sim, um desabafo, mas de uma pessoa que acredita no respeito às diferenças e que abomina a prática de assédio moral, bullying, pirraça, brincadeira de mau gosto, piada sem graça, trote sem noção (chamem como bem quiserem), que infelizmente virou rotina nesses nossos tempos de acesso fácil à informação e à internet, mas com dificuldades enormes em estabelecer limites para a privacidade e em saber o que fazer tanto com a informação que sobra quanto com a rede sem fronteiras. Para quem não está entendendo onde quero chegar, eis um relato mais ‘jornalístico’:
A prática de trotes em universidades é algo corriqueiro e por isso mesmo, há quem considere normal ‘pregar peças’ nos outros e até ache o máximo da diversão rir do constrangimento moral de terceiros. Me pergunto é se uma criatura que dá de ombros para essas brutalidades pode ser considerada mentalmente saudável. A última moda (sem nenhuma referência ao mundo fashion) no ambiente acadêmico é o que se chama de “rodeio de gordas”, com direito a marcação dos “eventos” via Orkut, rede social que infelizmente só desce a ladeira no quesito crimes virtuais e reais. A prática do “rodeio” consiste em perseguir pelo campus, nas festas de boas-vindas aos calouros, as meninas tamanho G e GG, montando nelas como os peões fazem com touros e bois (prática que considero igualmente cruel e destituída de sentido, diga-se de passagem) nos embates onde machões exibem a destreza (sobrando testosterona e faltando cérebro, na minha opinião) e a capacidade de domar os bichos à unha. Quanto mais gordinhas forem capturadas nos “rodeios”, mais o “peão” marca pontos. Provavelmente no ranking da perversidade!
Pois bem, segundo essa reportagem aqui do site da Folha, um grupinho de estudantes universitários, que eu pensaria seriamente em mandar para uma clínica psiquiátrica por distúrbios mentais, se reuniu para promover um destes “rodeios”, que na verdade deveria ser chamado pelo nome correto: tortura, constrangimento moral, humilhação, assédio, bullying, violência física. O resultado é um grupo de jovens humilhadas, algumas sem vontade de voltar para a faculdade, e uma comprovação da omissão dos responsáveis por garantir que quem entra numa universidade não saia de lá apenas com diploma para exercer uma profissão (sendo que alguns nem competência para isso têm), mas seja capaz de fazer realmente a diferença – em termos éticos e de respeito ao próximo – nesse mundo cada dia mais cão (com todo o respeito aos cachorros).
Revela a omissão não só de quem gerencia a educação formal, mas de pais e mães que, ocupados com suas vidinhas, esqueceram de educar os filhos para se tornarem gente e não os animais selvagens e sem noções mínimas de civilidade que proliferam na fila do cinema, no trânsito e em cada esquina. Infelizmente, esbarramos cada vez com mais frequência nesses tipos. O colapso não é só da família (núcleo base da sociedade) e nem da escola (um complemento às orientações domésticas). A bancarrota é do ideal de civilização como um todo e da organização social da humanidade, em particular.
Tenho pena! Mas não das vítimas, porque as moças humilhadas e agredidas fisicamente não são coitadas por serem gordas, bem como ninguém é digno de pena por ser gay, ou por ser evangélico, ou católico, ou deficiente físico, ou negro… As vítimas de toda e qualquer forma de preconceito não são dignas de pena. Jamais! Elas são dignas é de admiração e respeito, porque apesar da dor e da humilhação, sobrevivem. Ao menos a maioria sobrevive, mas sempre há as sequelas psíquicas, muitas vezes físicas (quando o agredido não perde a vida) e há o abalo na confiança depositada no outro e que permite que a vida em comum seja possível. Imaginem um mundo sem confiança básica, em que viveríamos paranoicos, achando que o vizinho vai nos matar e devorar as entranhas. Esse seria um mundo em que não mais existisse a fé de um ser humano no outro.
As vítimas de bullying e preconceitos em geral que terminam por gerar violência, também são dignas de que os culpados pelas ofensas e feridas sejam presos e afastados do convívio social, porque ninguém venha me dizer que um adolescente ou jovem que se diverte com a tortura do outro está só brincando. Não está. Quem assedia, quem pratica bullying, quem ofende, quem discrimina, quem queima mendigo no ponto de ônibus, quem mata travesti nas noites quentes de verão, não é uma pessoa sadia, é psicopata, é alguém cujo prazer mórbido consiste em divertir-se à custa da dor do outro.
Para mim, os mentores e os seguidores do “rodeio de gordas”, ou de um “rodeio de negros”, ou de um “rodeio de gays”, são pessoas taradas, obsessivas, infelizes, sem autoestima, dignas, esses sim, os algozes, de uma grande pena, pois são tão insignificantes, pobres de intelecto e espírito que só podem mesmo se divertir entre os seus iguais, tão doentes quanto, e só conseguem dar sentido às suas vidinhas vazias à custa do sofrimento alheio. São bandos de hienas carniceiras e desprezíveis.
São frígidas coitadas (porque há mulheres envolvidas nessa prática perversa do “rodeio das gordas”!!!) e são broxas, impotentes todos os machinhos que, para sentirem-se valorizados, precisam montar numa mulher e tratá-la como um touro, subjugando-a à custa de violência. São realmente uns impotentes, mas não só no sexo, são impotentes na afetividade, no caráter. E são igualmente invejosos (as), talvez do carisma, do bom humor que caracteriza muitas gordinhas, da sua exuberância que sobra sim para todos os lados, que beleza de meninas… Viva a nós, as plus size!
Apesar de muitos (e muitas) praticantes de bullying serem considerados belos pelos padrões das passarelas, sarados e gostosonas, bem nascidos com carro do ano e cartão de crédito pago por “papai” ou “mamãe”, são todos destituídos de amor-próprio, são pessoas mesquinhas e tão frágeis que tornaram-se incapazes de conquistar pela simpatia. Destituídos do carisma das gordinhas, precisam semear o medo para serem não amados, pois jamais serão amados de verdade, mas tão somente temidos. Lamentável!
E o pior, mesmo contando com a impunidade que impera nesse tipo de caso – cadê a polícia que não ficha essa quadrilha? -, os praticantes de bullying e outras formas de agressão moral e verbal – e física – são de uma ignorância tremenda e de uma cegueira ainda maior, porque não perceberam ainda que os ventos do mundo – apesar dos pesares – estão soprando em outras direções e que o reinado dos assediadores não vai durar para sempre…
Olá, Andreia!
Gostei muito do seu texto! Fantastico! Você conseguiu sintetizar as tristes formas de preconceito e assedio moral que, infelizmente, alguns seres (me recuso a escrever seres humanos pois pertenço a essa categoria e acredito que, assim como eu, existam muitos outros seres que vivem em busca de harmonia e respeito no convívio social) praticam. Pior, sentem-se envaidecidos e poderosos com praticas tão medíocres, despreziveis e ignorantes. Resta-nos apenas a pena por tais criaturas que, se do seio da familia não herdaram nada (excluidos os bens materiais), do convivio social não são capazes, baixe a luz divina e se compadeça de tal ser perdido que vaga pela vida num corpo oco.
Abraço de uma “plus size”, coetânea, nascida no Paraná e crescida no Rs, arquiteta, advogada, também vaidosa, solteira e mãe de uma linda menininha que recém completou 3 aninhos.
Oi Giovana,
Muito obrigada pelo seu comentário, que só fez enriquecer o texto. Abraços