‘O ciúme lançou sua flecha’
Um príncipe rigoroso com os súditos, os servos e a própria família. Orgulhoso das insígnias dos antepassados, sempre pronto a empunhar a espada em defensa das suas terras…
Um feudo da Itália medieval é o cenário onde o aristocrata britânico Horace Walpole, quarto conde de Orford, desenvolve o que chamou de ‘experimentação literária’, misturando “a forma antiga e a nova de escrever romances”. Isso, em 1764, quando ele não só experimentou, como criou um gênero totalmente novo, o romance gótico, ao lançar O castelo de Otranto, seu livro de ficção mais famoso. Da lavra do pródigo conde escritor também saíram inúmeros ensaios e um compêndio de autores da Grã-Bretanha.
O castelo de Otranto é uma mistura fascinante de novela de cavalaria, realismo fantástico e histórias de fantasmas. Não à toa, o livro serviu de inspiração para diversos autores góticos, o inigualável Edgar Allan Poe entre eles. O livro de Walpole também serviu de incentivo para o romance mais lúgubre de Jane Austen, A Abadia de Northanger, que é de 1817, mas começou a ser escrito no começo da década de 1790, quando Jane tinha 15 para 16 anos.
No livro, o conde de Orford conta a história do príncipe Manfredo, do reino de Otranto, um homem colérico e orgulhoso, típico representante de um senhor feudal legítimo, que perde o único filho varão de forma trágica e inexplicável e dá início a um plano atrapalhado e pérfido para conseguir gerar outro herdeiro homem, já que nem passa pela cabeça do soberano entregar o reino à filha, princesa Matilda.

(Crédito da imagem: National Galleries of Scotland)
Além de viver assombrado pelos mensageiros do outro mundo, que parecem gostar bastante do seu sinistro castelo, Manfredo é um homem atormentado por segredos, culpas novas e antigas e pelo ciúme, esse veneno maligno que escorre pelas veias do príncipe e inunda seu coração, endurecendo-o ainda mais.
Muito sofrimento, arrependimentos e misérias de todos os tipos costuram o romance, que não seria gótico se não existisse essa propensão ao dilaceramento e à melancolia em quase todos os personagens.
Um fato curioso sobre o livro é que Horace, que era bastante visionário, escreveu dois prefácios para a obra. O primeiro é um engodo aos leitores, pois o conde inventou que havia encontrado um antigo manuscrito italiano medieval, sobrevivente à época das Cruzadas, com a espantosa história e, logo, ele era apenas um instrumento para a tradução e a divulgação dos horrores narrados no pergaminho. Depois, na segunda edição e com o sucesso obtido pela história, Horace admitiu a autoria do romance e a criação do novo gênero literário.
Como o livro foi lançado quando o conde era membro do Parlamento Britânico, acredito que ele tentou disfarçar a autoria na primeira edição por temer que a sua incursão na ficção não fosse bem vista entre seus pares ou mesmo que a obra não obtivesse grande sucesso, o que também envergonharia o autor de estirpe nobre.
Na época de Walpole, obras de ficção ainda eram menosprezadas e consideradas indignas de serem escritas por cavalheiros aristocratas. Que bom que o conde de Orford, que morava em um palacete de arquitetura totalmente neogótica, caiu em si e parou de dar ouvidos a esse arcaísmo esnobe.
O exemplar que eu li:
Foi a versão em e-book da edição de 2019, da Editora Escotilha, que traz os prefácios da primeira e da segunda edição, minibiografia de Horace Walpole e artigo apresentando a obra e situando-a como pioneira do romance gótico. O e-book entrou na minha lista de indicados pelo Kindle Unlimited com base no meu histórico de leituras, no esquema de empréstimos que permite aos usuários do serviço a leitura de até 10 livros por vez da biblioteca de mais de um milhão de arquivos do aplicativo, que roda direitinho também em smartphones e tablets. O Unlimited tem uma assinatura mensal de R$ 19,90 que dá direito ao empréstimo de 10 livros por vez [a pessoa vai devolvendo os que já leu e pegando outros do acervo]. E, quem é assinante do Amazon Prime recebe livros gratuitamente, como bônus do Prime Reading.

O castelo de Otranto
Autor: Horace Walpole
Tradução: Oscar Nestarez
Editora: Escotilha (2019)
111 páginas
R$ 19,89 (capa comum, Amazon) ou no sistema de empréstimos do Kindle Unlimited
*Pesquisado em 07/02/23