A citação que nomeia o post – “onde se ganha o pão, não se come a carne” – é ditado popular antigo evocado por minha irmã durante uma manhã de bate-papo com uma das nossas tias. Falávamos sobre vários assuntos, jogando conversa fora, e veio à baila os relacionamentos afetivos iniciados com colegas de trabalho. Minha irmã citou o ditado, enfatizando que acredita ser importante separar sempre o trabalho da vida pessoal. Fiquei pensando no assunto e de fato, é um sábio conselho válido não apenas para a formação de possíveis e futuros casais, mas em outros aspectos do que entendemos por vida pessoal.
Cito um exemplo para ilustrar: dia desses, uma assessora de imprensa de uma grande companhia pediu meus contatos da redação para atualizar o seu mailling. Passei o email corporativo e também o ramal da minha mesa. Ela me perguntou se eu teria um celular e eu disse a ela que não usava celular corporativo e que preferia não dar meu número pessoal. Ela insistiu, argumentou que caso precisasse falar comigo fora da redação teria de ter o número. Mas me recusei. Não sou do tipo que autoriza a ninguém dar meu celular ou o telefone da minha casa a terceiros. Telefone pessoal é para os íntimos.
Mas o pedido da assessora faz sentido dentro da lógica de sociedade atual, a moça não está errada sob esse ponto de vista. Hoje em dia estamos hiper conectados, expostos em infinitas redes sociais, com a tela do Twitter aberta quase 24 horas por dia, vendo e sendo vistos quase o tempo todo (nem o sono e o banho são mais os mesmos depois do BBB) e isso leva as pessoas a acreditarem que com tanta exposição, estamos disponíveis 24 horas por dia. Mas, se eu ficar disponível 24h por dia para o meu trabalho, uma assessoria de imprensa ou um cliente, onde vai parar a minha vida pessoal? E a disponibilidade para o filho? E para os demais familiares? E para o meu parceiro? (seja ele marido, namorado ou ficante) E para os meus amigos? E para mim mesma? Momentos na nossa própria companhia revigoram!
É o dilema da contemporaneidade e Deus e o mundo, pessoas até mais espertas que eu, já tocaram no tema. Criamos tantos mecanismos para estarmos sempre disponíveis, que nos ressentimos da falta de tempo para focar em outros aspectos da vida que transcendam os negócios e os holofotes. Nem tudo é trabalho e a vida resumida a ele torna-se insossa.
Todo mundo que é saudável – para ser saudável também – precisa muito de vida pessoal. É a família, são os amigos, é o sexo bem-feito, são os momentos de cumplicidade com o parceiro (a), é o tempo de criar os filhos, de sermos bons filhos, de jogar conversa fora num barzinho, que nos torna humanos, que faz de nós essa espécie gregária num sentido muito diferente daquele das formigas e das abelhas. Enquanto os insetinhos se agregam para produzir feito loucos e trabalhar até morrer, nós nos reunimos porque muito da nossa existência e da nossa essência só se validam a partir do olhar de um semelhante.

Quarteto Fantástico. Na ficção, dois deles são irmãos (Tocha e Mulher Invisivel), dois formam um casal (Sr. Fantástico e Mulher Invisivel) e os quatro são amigos (aqui entra o Coisa fechando o quarteto) além de colegas de trabalho. Funciona em 80% dos episódios. Mas de vez em quando há alguns problemas que o grupo precisa administrar com maturidade para não desmoronar
Nos reunimos para celebrar e compartilhar, ou apenas porque gostamos de ficar junto com determinadas pessoas, em determinados momentos. Sozinhos, frustrados, isolados, estressados e trancados no escritório ou com o escritório trancado dentro de nós 24 horas por dia, somos a mais triste das criaturas. Os índices de infarto e depressão comprovam.
E é aí que dou a volta no texto e retorno ao ditado que nomeia o post: “Onde se ganha o pão, não se come a carne”. Se por um lado é corretíssimo o conselho, porque evita desde a saia justa em possíveis discussões do casal formado por colegas que fatalmente vão se ver e produzir juntos no dia a dia, até os casos mais graves de assédio sexual; por outro, se passamos uma parte considerável das nossas vidas no trabalho, as chances de conhecer “aquela pessoa” são possíveis e concretas.
O contato diário até facilita a aproximação e com ela pode vir o sentimento de simpatia, de admiração e tantos outros que despertam interesse em saber como é aquela pessoa fora da farda, no sentido literal e figurado. No coração, diz outro ditado, ninguém manda. As pessoas não possuem – ainda – etiquetas de identificação que sinalizem “proibido apaixonar-se porque sou a sua (o seu) colega”.
A questão central não é ser proibido o envolvimento entre colegas de trabalho – até conheço exemplos que deram super certo – e sim a postura adotada pelos envolvidos. Maturidade para administrar a relação é a palavra-chave. Capacidade em separar o relacionamento afetivo da relação de trabalho é importantíssima nesse contexto. O grau de poder envolvido e de que forma ele vai ser usado (nos casos entre chefes e subordinados, por exemplo) é de vital importância! Ah, vocês dirão, mas no auge do envolvimento todas essas regras podem ir às favas. De fato, podem mesmo, porque o amor – e principalmente a sua manifestação mais passional, não à toa chamada paixão – não costuma seguir muitas regras de etiqueta e compostura.

O casal incrível. De vez em quando rolam umas DRs no meio de alguma missão impossível, mas o grande barato é que eles descobrem que a parceria da vida também se aplica ao trabalho como super heróis
Só que não podemos viver a vida pelas exceções, senão ela fica igualmente impossível. Pode até ser uma visão ingênua, mas não acredito muito nas regras rígidas a ponto de nos aprisionar e sufocar. Sempre há mais lados a analisar numa questão do que a situação, por mais simples que seja, aparenta à primeira vista.
Há exemplos desastrosos de uniões afetivas e profissionais, e afetivo aqui se refere tanto aos casais quanto às amizades (nem sempre trabalhar com amigos é fácil, muitas vezes é um transtorno); mas há exemplos muito bem sucedidos dos dois casos. Tudo vai sempre depender de maturidade, bom-senso e da transparência da relação, da postura pessoal e da nossa postura diante dos outros. Já vivi casos de trabalhar com amigos que se mostraram para mim tão bons parceiros no trabalho quanto na vida pessoal. Mas também já percebi em pessoas que acreditava amigas, uma certa tendência a buscar privilégios no trabalho por confiarem na relação de amizade. E já vivi igualmente a situação de ter amigos que tentaram usar essa amizade para obter privilégios também na vida pessoal!
Só que não tem como me trancar numa torre e me proibir terminantemente de travar contato com outras pessoas e fazer novas amizades, tem? Pergunto: o problema está no fato de trabalharmos juntos ou no caráter de quem tenta obter vantagens de um colega fiando-se no sentimento de amizade dele? Infelizmente, o caráter das pessoas nós só passamos a conhecer ao conviver com elas e só depois desse conhecimento é que podemos decidir se vamos manter a amizade e/ou a parceria profissional.
Tudo dito aí acima sobre amizade e trabalho vale também para os casais. E tudo tem relação com a motivação para as pessoas estarem juntas. Quando a balança está equilibrada, ninguém quer usar ninguém, todos se comprometem e fazem a sua parte, os assuntos caseiros são discutidos em casa e os estresses do escritório são administrados e resolvidos no escritório, os mínimos sinais de desgaste são logo discutidos e analisados antes de corroerem a relação. E nesses momentos, creio: pão e carne rendem sanduíche!
Olá Andreia, gostei de seus comentários, esse é um tema comum mas complexo.
Sim, é possível, como você descreveu, mas haja maturidade para evitar derrapagens ou capotamentos.
Os casos positivos, parabenizou-os, mas seriam mais exceções que confirmam a regra.
Apenas mais uma opinião.
Grato e sucesso para você!
Obrigada por compartilhar com os demais leitores a sua visão desse tema, que como bem descreveu, é complexo. Eu acredito que viemos ao mundo para evoluir e amadurecer, então espero que um dia as boas exceções virem regra. Abraços
Sim, evoluir e amadurecer para o bem!
Na rua Augusta 934 havia um açougue e matadouro na década de 50, onde o lema, a partir do chefe da família na exploração negocial, era literalmente que, “no local de trabalho não se come carne” (churrascada no local ali pelas 10 da manhã quando a fome apertava, já que estavam trabalhando desde muito cedo). Na faculdade de medicina da Usp, um professor citava figuradamente esta frase, a seus alunos, dando-lhes a entender muito eticamente, para não misturarem suas relações profissionais médicas com suas pacientes, o que é válido para todas as áreas laborais. Desta forma, evitam-se grandes problemas. Fazem até piada disso. A enfermeira do velho médico, no contato da manhã, lhe disse após o alegre bom dia:dele – Dr, tenho duas notícias para lhe dar, uma ruim e outra pior. Puxa vida, logo cedo? disse o médico, emendando:- me diz então a pior. O senhor não é senil, disse a enfermeira (casada), chorando.
Ailson, acho que a relação médico x paciente é algo diferente da relação entre colegas de trabalho. Um médico e o paciente pressupõe que um dos dois está vulnerável, visto que doente. Mas uma enfermeira e um médico podem ser casados / namorados, o que não podem é lavar a roupa suja do relacionamento dentro do hospital e muito menos durante o atendimento aos doentes. Meu texto fala de relações sadias e maduras. Abs!
Este é um ditado muito sábio pois quase sempre quando o pessoal se mistura com o profissional um acaba interferindo e atrapalhando o outro.
Oi Vivian,
Eu acredito que não seja bem assim. Acredito realmente que tudo é uma questão de maturidade. Se as duas pessoas envolvidas souberem separar profissional e pessoal e discutirem suas diferenças tanto de casa quanto do trabalho com equilibrio, as coisas podem sim dar certo. E meu texto reflete justamente essa questão ao invés de apenas concordar com o ditado. Abs!
Bom dia! lendo sobre a matéria lembrei dos meus 18 anos. No trabalho eu sempre me apaixonava por alguém que achava especial, eu era carente tenho certeza, e acho que se aproveitavam dessa fraqueza minha, não sei! Quando o romance acabava eu era apontada pelos colegas, que constrangimento!!! Uma vez fiquei de namorico por mais de meses, quando voltei das férias o “namorado” já estava com outra e do mesmo setor. arrependo-me amargamente, se pudesse voltar ao tempo, uma das coisas é não namorar colega de trabalho. Pelo menos para mim não foi legal.
Oi Valéria,
Primeiro é importante esclarecer que o texto não é uma matéria. A matéria jornalística requer entrevistas, uma fonte especialista falando do assunto e dados de pesquisas ou estudos, ou ainda a ocorrência de um fato. E esse texto não tem nada disso. Esse texto é uma reflexão pessoal, subjetiva, escrita em primeira pessoa, em tom de conversa, por uma jornalista sim, mas no meu blog pessoal, onde eu “filosofo” sobre os temas do meu interesse, onde uso a capacidade humana do livre pensamento e emito uma opinião sobre a vida, o cotidiano. Portanto, o que eu escrevi, baseada na minha visão desse tema (namoro ou amizade no trabalho), não pode ser tomado como exemplo para a vida de outras pessoas, ao pé da letra, porque cada ser humano é único e as experiências de vida nunca são iguais, elas variam de uma pessoa para outra. Pena que com você não deu certo, mas a culpa não é do ambiente de trabalho, a culpa é das pessoas que foram mau caráter com você. Tenho amigos que trabalham juntos há anos e são casados e vivem felizes e a relação não afeta no desempenho das tarefas. Tudo é uma questão de postura, de estabelecer limites para a relação e limites também para o grau de interferência externa, porque ninguém tem direito de falar da sua vida. As pessoas que fazem isso são mesquinhas e o problema está nelas, não na sua vida! Talvez outras pessoas se identifiquem com a opinião que eu tenho sobre esse tema ou até tenham vivido experiências parecidas ou bem diferentes da sua. A vida é diversidade. Abraços!
Gostei do seu ponto de vista ,está acontecendo comigo no começo é mil maravilhas, depois os desconforto aparece,se tivesse longe seria melhor , mas vê todo dia é tenso o q os olho não vé coração não sente