Resenha: Terra Americana

‘Correr é meu destino, para burlar a lei’

Clandestino, de Mano Chao, traduz a sina do imigrante que precisa sair do país de origem para tentar reconstruir a própria vida em outras paragens. A letra mostra o anseio dos desterrados por ‘el norte’ (o norte, em referência tanto aos Estados Unidos quanto ao Hemisfério Norte, onde estão os países mais ricos). Em contraste, nesses locais, os estrangeiros pobres – ou com a cor de pele ‘errada’ -, refugiados e outros considerados ‘párias’ sociais são, geralmente, hostilizados. Esses novos moradores, muitas vezes, perdem a cidadania do lugar onde nasceram, mas não conquistam uma nova nos espaços para onde imigram. Vivem à margem, são ‘quebra-leis’ como o compositor descreve.

Terra Americana é um dos três livros de ficção de Jeanine Cummins
(Foto: Andreia Santana/ Blog Mar de Histórias)

Os motivos para alguém imigrar são inúmeros, miséria extrema e fome, fugir de ditaduras, as violências das guerras civis ou invasões, da perseguição ideológica por governos totalitários e do narcotráfico. É essa última que está no centro da trama de Terra Americana, romance da estadunidense Jeanine Cummins, que é descendente de porto-riquenhos (Porto Rico é uma ilha do Caribe que por quatro séculos foi colônia da Espanha e depois virou território não-incorporado dos Estados Unidos).

Ambientado no México e na tensa fronteira desse país com os Estados Unidos, o livro conta a história de Lydia, dona de uma livraria em Acapulco e bibliófila, e de seu filho Luca, de apenas 8 anos. Os dois se convertem em imigrantes forçados depois de um ato de violência extrema praticado contra a sua família por um chefão de um cartel bastante perverso.

O livro conta a viagem insólita por mais de 2,5 mil quilômetros dessa mãe, de Acapulco até a fronteira no Deserto de Sonora, para salvar a vida do único filho. Mas, a narrativa de Cummins, embora tensa e angustiante como um bom thriller, traz também bastante material para reflexão sobre a crise migratória, a globalização, a desumanização do outro [o estrangeiro, a síndrome eterna do nós contra ´eles’] diante dos medos construídos por governos inescrupulosos, principalmente após o 11 de Setembro de 2001. Medos esses que alimentam racismo e xenofobia na mesma medida em que são engordados por preconceitos e ignorância.

Jeanine, que é autora, até agora, de apenas três livros de ficção, tem um texto magistral, envolvente, empático. A autora fez bastante pesquisa para construir o cenário da fuga de Lydia e de Luca, usando, inclusive, dados reais sobre imigração. Os perigos da jornada descritos no romance não são fruto de imaginação fértil de escritora, a travessia da fronteira é, de fato, pontuada por agressões e riscos inimagináveis, principalmente para mulheres jovens.

A não-existência do imigrante no país de destino, sempre relegado a um limbo de subempregos e ausência de direitos, é dolorosamente real nessas páginas agridoces de ficção. Nenhum migrante ‘clandestino’ chega aos Estados Unidos ou à Europa em posição de poder, mas como mendicante e indesejado. Independente da formação e da bagagem cultural, boa parte, a depender da circunstância que o levou a migrar, perde seu status social. Por isso, sendo fiel à realidade, Jeanine não cria heroísmos ou otimismos onde não são possíveis. Seu livro é cru como a vida, mas também é terno e bastante solidário.

A intenção da autora, como ela mesma diz no posfácio da obra, é tornar os imigrantes, principalmente os refugiados, sejam sociais ou da violência, visíveis novamente em toda a sua herança cultural diversa e em toda a sua dor, devolver-lhes a humanidade e lhes restituir suas identidades usurpadas ou apagadas pelas condições precárias das travessias enfrentadas.

E ela tem bastante êxito na empreitada…

O exemplar que eu li:

Nunca tinha ouvido falar em Jeanine Cummins e não conhecia Terra Americana, lançado no Brasil em 2020, pela Intrínseca. Encontrei esse livro por acaso, nas listas de indicações da Amazon. Estava buscando um outro livro quando, nas opções listadas pela ferramenta de busca do site, apareceu essa sugestão. Li a sinopse e fiquei bastante interessada. Comprei e decidi ler Terra Americana primeiro até do que o outro livro que era meu foco inicial na busca. Pesquisando sobre a obra, vi que tinha excelentes recomendações e, inclusive, “foi um dos escolhidos para o Clube de Leitura da Oprah Winfrey”, como a própria editora divulgou ao trazer o best-seller para o Brasil. Pretendo, agora, buscar outros livros de Jeanine Cummins.

Ficha Técnica:
Terra Americana
Autora: Jeanine Cummins
Tradução: Flávia Rössler, Cássia Zanon e Maria Carmelita Dias
Editora: Intrínseca (2020)
416 páginas
*R$ 20,00 (Estante Virtual), R$ 35,00 (Amazon) e R$ 31,41 (Kindle)
*Pesquisado em 14/02/23

Leia um trecho no site da editora (arquivo em pdf)

Veja o video official de Clandestino:

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