No dia em que o meu filho nasceu, o obstetra fez uma brincadeira que deve ter sido levada ao pé da letra por algum anjo estagiário ou pelo espírito de Murphy. Na sala de parto, o médico disse para aquela jovem mãe ansiosa e de primeira viagem, doida para sair do centro cirúrgico já carregando a cria no colo, que ela deveria descansar, porque aquela, certamente, seria a sua última noite completa de sono sossegado. Meu filho resolveu nascer às 23h35 e eu só fui levada para o quarto quase 1h da madrugada. Mas, como aos 23 anos a gente gosta de rir na cara do perigo, não ouvi o conselho do médico e não dormi. Passei a noite toda enchendo a paciência de minha mãe, pedindo a ela para ir ao berçário conferir o bebê. “O que ele está fazendo?”, como se um recém-nascido pudesse fazer alguma outra coisa além de dormir.
Quase vinte anos depois, tenho certeza de que ou o anjo entendeu tudo errado ou Murphy está curtindo com a minha cara. A terceira hipótese é que a brincadeira do médico acabou virando uma praga não intencional, o que se explica por alguma traquinagem do destino. O coitado, realmente, não tinha intenção de me condenar à insônia, mas palavras não tem dono.
Meu filho já não é o responsável pelo meu déficit de sono há pelo menos uns 14 anos, desde que as histórias antes de dormir foram relegadas às recordações de infância. E olha que colocar aquela criança na cama era um processo que envolvia uma mãe de imaginação fértil inventando aventuras mirabolantes protagonizadas por biscoitos que queriam fugir do pote da cozinha, entre outras sandices que eu emendava nas nossas madrugadas de deita, “que lá vem a história”.
Eu não sou insone. Ao contrário, até tento ter hábitos saudáveis quando o assunto é descanso. Nem sempre dá, infelizmente, porque ser jornalista e querer ter qualidade de vida o tempo inteiro tem muita dificuldade de conciliação de agenda. Mas, na maioria das vezes, mantenho as horas dormidas dentro do padrão mínimo recomendado pela Organização Mundial de Saúde. Sou boa de sono, basta encostar a cabeça no travesseiro e apago.
Mas, o destino, esse travesso, que mancomunado com o anjo e com o sujeito do “se alguma coisa tiver de dar errado, vai dar”, atrapalha todas as minhas tentativas de descanso. Acontece assim, basta me aconchegar para um cochilo de final de tarde, em um dia de folga, uma coisinha básica, aquela dormida reparadora de uma hora em um domingo chuvoso e friorento, que o telefone de casa toca e do outro lado da linha tem uma tia com saudades. Amo as minhas tias, mas o fuso horário delas nem sempre combina com a esquizofrenia das escalas de trabalho de uma jornalista. Lógico que as tias não têm como adivinhar se eu estou em casa ou no plantão pescoçudo da redação. Ultimamente, nem eu sei quando estou em casa!
Quando não é uma tia ao telefone ou um amigo perdido no Whatsapp, é o interfone do edifício, com uma vizinha precisando de um favorzinho, como um frasco de soro fisiológico emprestado ou para me pedir que averigue sua pressão arterial. Como minha mãe foi técnica de enfermagem durante décadas, aparecer vizinho precisando de curativo e conselho de saúde sempre foi mais regra do que exceção em casa.
Com o avançar da idade, mamãe já não exerce esse papel de “plantão médico” do condomínio e sobrou para quem? Sim, para a filha primogênita, que aprendeu desde criança o mínimo necessário para prestar os primeiros socorros a alguém necessitado, a começar pela própria mãe idosa.
Se o telefone, o interfone, o Whatsapp, as notificações do Instagram e do Facebook (boto no silencioso, mas meu sono é leve e até o telefone vibrando me acorda) resolvem dar uma trégua, meus gatos aprontam alguma arte, como pular na minha barriga ou na cabeça. Acordo assustada com o “ataque” de fofura. De vez em quando, um dos gatos faz uma massagem revigorante para compensar e aposto com quem quiser, massagem de gato dá de mil a zero naquele famoso comercial de cartão de crédito. Já penso até na chamada no intervalo da novela, “…para todas as outras coisas existe um felino massagista”. Esse sujeitinho é daqueles que gostam de miar quando a noite cai e faz manha igual a criança para me pedir belisquetes (ele gosta de lanchar encarapitado na pia da cozinha) ou mesmo carinhos à meia-noite.
Quando não é o telefone, o interfone ou os filhos e sobrinhos gatíneos, é alguém da família que me chama de outro canto da casa, justo na hora em que deslizo suavemente para o sono, naquele intervalo da vigília, entre me render a Morpheu e preservar um resto de consciência.
Já pensei em arranjar um esconderijo ultra secreto só para, uma vez por mês, me entocar e tirar aquela abençoada soneca reparadora. Se alguém perguntar por mim, digam que fui por aí com um travesseiro e uma mantinha, dormir…