Plano B e Patrick 1.5: maternidade e paternidade contemporânea tratadas com leveza no cinema

Dois filmes recentes, ainda em cartaz nos cinemas de Salvador, tratam a maternidade e a paternidade com uma leveza deliciosa: Plano B, estrelado por Jennifer Lopez, e Patrick 1.5, uma produção sueca. O primeiro, comédia romântica com alguns clichês que os fãs do gênero adoram (historinha de amor com final feliz), subverte a lógica do politicamente incorreto ao focar nos “micos” das mães de primeira viagem, com escracho, mas sem desrespeito. Em muitas situações, não tem como não se identificar. O segundo, ganha ainda mais pontos por abordar a paternidade sob a ótica de um casal homossexual que tenta adotar um filho. Sem estereótipos e com muita simplicidade, o filme descomplica tanto a relação homoafetiva quanto a construção do carinho, confiança e respeito entre pais e filhos. Em Plano B, uma mulher madura, Zoe (Jennifer Lopez), mas ainda em idade fértil, sente a pressão do relógio biológico e, na falta de um marido, decide apelar para a produção independente, fazendo inseminação artificial em uma clínica especializada. É de se pensar que o filme vai descambar para uma crítica acirrada aos homens que não querem compromisso nos dias de hoje. Ledo engano! Após ser inseminada e até buscar o apoio de um grupo de autoajuda para lidar com a realidade de mãe solteira, Zoe conhece um homem, Stan,  (Alex O´Loughlin) que a faz repensar o plano inicial de criar um filho sem pai. Stan está disposto a assumir a paternidade pelo bebê gerado em laboratório e a grande sacada do filme, que no geral é bem despretensioso, é focar na construção dessa relação a três (mãe, bebê e pai adotivo), ao invés de focar no drama “mulher solteira e desiludida com o sexo oposto, procura”. Em Patrick 1.5, um casal homossexual, Göran e Sven (respectivamente, Gustaf Skarsgård e Torkel Petersson) se mudam para um subúrbio pacato, casa grande, com jardim, e esperam o Serviço Social sueco liberar a autorização para a adoção de um bebê de um ano e meio. Mas, um erro do sistema acaba liberando para o casal, Patrick (Thomas Ljungman), um adolescente de 15 anos, com traços de homofobia e um histórico de sofrimentos que incluem um pai ausente, a mãe que morreu de overdose,  a infância vivida em orfanatos e até bullying. Os elementos, mais uma vez, levam a crer que o filme pode descambar para a pieguice, mas a mão firme e ao mesmo tempo delicada da diretora Ella Lemhagen, o desempenho excelente do trio de atores principais e a condução da narrativa, transformam o filme num pequeno libelo ao amor, também despretensioso, mas daquele tipo que fica na memória. Plano B não chega a ser tão inesquecível, funciona mais como bom entretenimento. Mas levanta questões que colocam sobretudo as mulheres para pensar. O grupo de autoajuda das mães solteiras, por exemplo, é uma crítica feroz às inúmeras teorias lançadas a três por dois, que tentam justificar, muitas vezes, a falta de maturidade das mulheres em assumir o papel de mães, a partir da omissão de uma parte considerável dos homens em encarar  a paternidade. Como se a culpa fosse apenas deles e, sejamos autocríticas, nem sempre é. No fim das contas, o filme aborda o amadurecimento de uma relação de casal, que por sua vez, vai refletir no amadurecimento de duas pessoas que, uma vez que estejam bem resolvidas, terão chances de criar uma criança com muito mais equilíbrio. Algumas cenas são exageradas e tentam arrancar riso fácil apelando para o grotesco, como o parto na água. Mas ainda assim, a cena casa com a ideia do filme de desconstruir os mitos em torno do ato de parir (que é bem fisiológico e visceral mesmo e não tem nada daquele glamour de novela das oito). Ao usar clichês, muitas vezes fica claro que a intenção do diretor Alan Poul é desmistificar justamente os clichês que colocam as mães quase num altar, esquecendo que antes de ser mãe, uma mulher é antes de mais nada um ser humano cheio de falhas, em busca de alcançar equilíbrio. Patrick 1.5, uma comédia dramática, traz a paternidade sob dois pontos de vista opostos, mas que no fim das contas se complementam, porque a alma humana é mesmo cheia de dicotomias. Enquanto Göran, que é médico, quer construir laços sólidos, ter uma família e passar valores para uma criança, além claro de exercitar o ato de amar uma criatura por ela mesma, que é o que os pais (pai e mãe) fazem com seus filhos; Sven, empresário, já tem uma filha de 15 anos de um casamento hetero anterior, com quem não se dá bem, visto que a adolescente não aceita o novo companheiro do pai. Sven hesita muito em encarar de novo o papel de pai e hesita, principalmente, em assumir nova relação estável. Com a chegada de Patrick, Sven quer devolver o adolescente ao orfanato o mais rápido possível, principalmente porque acredita que o jovem é um marginal que poderá matá-lo enquanto dorme. Patrick, por sua vez, reage mal à rejeição de Sven e chega mesmo a ameaçá-lo. Enquanto isso, Göran, assumindo a proatividade de um pai que tenta compreender antes de julgar, conquista o afeto reticente e cheio de traumas de Patrick, ao mesmo tempo em que se permite ser conquistado pelo menino e por sua forma despojada e meio rebelde de ver a vida e sobreviver às adversidades. A metáfora usada para a construção dessa relação que começa pela conquista da confiança até chegar no respeito e no afeto, é um jardim. Göran quer uma casa modelo, com um jardim acolhedor,  mas não sabe lidar com plantas, apesar da sua alma extremamente sensível. Já Patrick, que é endurecido pela infância traumática, revela-se “um menino do dedo verde”. O florescimento do jardim  e a exuberância das flores na primavera de Estocolmo, na medida em que a amizade entre esse pai com seu filho atípico cresce e consolida, é uma figura de linguagem perfeita, enriquecida ainda pela bela fotografia do filme. O mérito das duas produções, embora Patrick 1.5 seja superior do ponto de vista de soluções de roteiro, técnica de filmagem e mesmo por trazer uma história com maior carga dramática, é que ambos investem em fatos cotidianos e enredos simples (como a própria vida), mas sem simplismos. Nada é tão cor-de-rosa ou tão trágico nesses dois filmes, numa prova de que, quando realmente permite-se imitar a vida, a arte tem muito a nos ensinar.

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