“Era uma vez uma barata chamada Gregor Samsa que sonhava que era uma barata chamada Franz Kafka que sonhava que era um escritor que escrevia sobre um empregado chamado Gregor Samsa que sonhava que era uma barata.”
O livro A ovelha negra e outras fábulas, de Augusto Monterroso, foi o escolhido para a leitura dos dias 20 e 21/08/2016, na tag #1livroporfinaldesemana. O hondurenho Monterroso é conhecido por suas histórias curtíssimas e cheias de significados. Uma das coisas interessantes desse desafio autoimposto é que aproveitei para, em meio a obras selecionadas entre os meus autores favoritos, conhecer o trabalho de escritores que até então nunca tinha lido. Aproveito para reconhecer a ajuda valiosa de minha irmã Roberta na seleção das leituras da tag: boa parte das obras escolhidas pertencem ao acervo dela. Há também livros pinçados na estante de Matheus, meu filho, e na minha própria coleção.
Uma foto no Insta e uma resenha no Mar
A ovelha negra e outras fábulas é uma coletânea de microcontos de Augusto Monterroso, recheados de sarcasmo, ironia e crítica social. Nesse pequeno compêndio de menos de 100 páginas sobre a natureza humana, espécies da fauna exótica são usadas como personagens que encarnam nossos maiores defeitos e certa propensão ao ridículo.
Lançado em 1969, o livro é um dos poucos de Monterroso a serem editados no Brasil. Em 2014, a saudosa Cosac Naify relançou a versão traduzida por Millôr Fernandes, em 1983, para a Editora Record. Millôr e Monterroso, além de serem da mesma geração – o hondurenho nasceu em 1921 e o brasileiro em 1923 -, possuíam estilos literários bem parecidos, com a mesma predileção por textos curtos, precisos e bem humorados.
A ovelha negra…, segundo o próprio autor declarou certa vez, nasceu da sua observação da fauna silvestre e da constatação de que os animais e os homens são tão parecidos, “que às vezes torna-se impossível distingui-los”. O livro tinha admiradores como o escritor Isaac Azimov, que afirmou nunca mais ter sido o mesmo após a leitura de um dos microcontos da coletânea: O macaco que queria ser escritor satírico.
O conto que dá título ao livro traz a história do martírio de uma ovelha negra, apenas porque ela era diferente da norma comum e ordinária das ovelhas brancas. Outro conto, A girafa que compreendeu que tudo era relativo, critica a insensatez dos conflitos bélicos e o anestesiamento diante da violência e das injustiças.
Já a história que desconcertou Azimov, embora tenha sido escrita numa época pré super exposição na internet e bem antes da indústria da fofoca sobre celebridades ter alcançado a dimensão atual, fala de um macaco que passa a frequentar as festas da alta sociedade da floresta. Por conta de suas “piruetas”, o macaco colunista é bem recebido pela elite, mesmo publicando textos ferinos que denunciam os defeitos de seus anfitriões.
As histórias enxutas, concisas, sem floreios e recheadas de humor satírico, impactam o leitor e provocam desde risos nervosos até reflexões profundas. Nos mini textos, além da crítica ferranha às injustiças sociais, há muita denúncia contra aristocratas vaidosos e arrogantes. Muito do que está no livro, certamente, foi retirado das experiências do próprio autor, que teve de se exilar no México para fugir da ditadura na Guatemala.
Nascido de uma família miscigenada de hondurenhos e guatemaltecos, Augusto Monterroso fugiu para o México em 1944 e viveu em território mexicano até sua morte, em 2003. O autor é considerado um dos maiores expoentes da literatura latina e foi agraciado com o prêmio Príncipe de Astúrias, em 2000. É dele o conto O dinossauro, considerado o mais curto da literatura mundial e que abriga um mundo de possibilidades interpretativas em uma única frase: “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá“.
Ficha Técnica:
A ovelha negra e outras fábulas
Autor: Augusto Monterroso
Tradução: Millôr Fernandes
Editora: Cosac Naify
96 páginas
R$ 18,00 (pesquisado na Estante Virtual em 05/11/2016)