Lembranças do Admirável Mundo Velho

Nesta sexta-feira, o Caderno 2+ de A TARDE publica a resenha que fiz sobre o livro Admirável Mundo Velho, do mineiro Alberto Villas. Li o livro em exatas 24 horas, porque é daqueles de pegar  e não largar enquanto não chegamos ao the end. A narrativa é ágil, gostosa e envolvente, como boas histórias contadas ao pé da fogueira.  Reproduzo aqui no blog o texto da resenha.

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Crônicas do tempo em que “banda larga”

era a metade mais grossa da laranja

Para a geração atual, hiperconectada, megaveloz e superinterativa, não dá para imaginar um tempo, nem tão distante, em que era preciso esperar duas horas para que a telefonista completasse um interurbano, que, ainda assim, durava poucos minutos de conversa gritada entre chuviscos e chiados.

Provavelmente também, em tempos de TV em high definition, é inconcebível um mundo em que o lazer doméstico se constituía em ouvir a Rádio Nacional, em um único aparelho na sala de visitas, após o jantar. I-pod? MP-4? Smartphone?

Nada disso! Robô de lata, carrinho de rolimã e o mais perto que se chegava de uma grande aventura era fazer explorações no quintal.

Pois é esse mundo, que parece distante anos-luz da modernidade, mas que está ali atrás, umas cinco décadas, que o jornalista mineiro Alberto Villas traz de volta aos nostálgicos, ou apresenta aos curiosos, em Admirável mundo velho, seu quarto livro, o terceiro lançado pela Editora Globo. Neste livro, o autor relembra gírias, expressões e costumes de um tempo em que a escova progressiva era feita com o ferro de passar.

Huxley à brasileira – Sim, o título é uma bem-humorada referência ao profético Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, uma espécie de oráculo das maravilhas que, no distante ano de 1932, o porvir parecia nos reservar. Alberto faz o caminho inverso ao do visionário escritor britânico e mostra que, atualmente, boa parte da turma menor de 25 anos não tem ideia de como foi que seus pais sobreviveram em um mundo sem internet.

Brincadeiras e vocabulário de quem era adolescente ou criança entre os anos 50 e 70 parecem saídos do mundo da ficção para quem já nasce inserido na realidade virtual. Mas “é tudo verdade”, garante o autor, citando Orson Welles.

O livro reúne 100 mini crônicas que, na sua maioria, são protagonizadas pelo próprio Alberto, os irmãos, pais e tios, mas que também contêm deliciosas histórias da infância de gente famosa, como Tom Jobim.

Numa das historinhas, o autor lembra que, quando estava sendo alfabetizado, o maestro e cocriador da bossa nova levava bronca da professora para escrever com a mão direita. É que ser canhoto, até algum tempo atrás, era considerado pecado.

Nas escolas tradicionais, a ordem era forçar a meninada a escrever com a destra, já que a esquerda, além de associada ao capeta pelos tabus religiosos, no Brasil pré ditadura não gozava de prestígio. Tom acabou desenvolvendo a capacidade de escrever com as duas mãos.

Encontro de gerações – Mas o que diverte mesmo no livro são as gírias e expressões usadas pelos pais e avós de muitos que leem este texto. Se a leitura acontecer entre membros de uma mesma família, mas de gerações diferentes, as gargalhadas estão garantidas.

Chapinha para esquentar o juízo e deixar o cabelo lisinho? Não, ferro quente. E a menina que entrava no salão com o cabelo de Angela Davis, voltava para casa com aquele estilo “vaca lambeu”. Na vizinhança, o comentário era mordaz: “Viu a filha de fulana, que espichou o cabelo?”.

Lógico que alguns dos hábitos daquele tempo não são nem um pouco agradáveis de lembrar. As mães, em sua maioria, não trabalhavam fora e tinham como maior ambição na vida ver as panelas da cozinha brilhando feito espelhos.

Era também o tempo em que a propaganda oficial divulgava que comunista comia criancinha e que se dividiam as mulheres em categorias: desquitada, casada, mãe solteira, santa, vagabunda, moça para casar e para todo o resto, e por aí vai.

Era também a época em que o tripé deus, família e tradição – dos integralistas – servia de desculpa para os preconceitos mais infames.

Memória preservada – O mérito do livro, porém, é resgatar para os dias atuais a origem de algumas expressões que, vez por outra, ainda são usadas, como “fulano é a raspa do tacho”, que se dizia dos irmãos caçulas que nasciam com uma distância muito grande dos maiores; ou, ainda, “tomou chá de cadeira”, quando ninguém tirava a menina para dançar e a coitada mofava no bailinho.

São histórias simples, do cotidiano do brasileiro médio, de um período em que o máximo da modernidade era trabalhar na IBM operando um cérebro eletrônico (o avô do computador), quando a boa educação mandava perguntar a um jovem casal se eles “já haviam encomendado à cegonha” e o maior elogio que se fazia a um rapaz elegante era dizer que ele estava “uma marmota”.

Se a sua mãe era “um broto com corpinho de violão” e o seu pai “um pão”, com certeza vão adorar relembrar o passado com os “causos” de Villas. Quanto a você, a depender da idade que tenha, notará que, dentro de casa, alguns costumes permanecem, pois o autor escreve de um jeitinho parecido com o modo daquele tio preferido falar. O mais bacana será descobrir que a memória histórica de um tempo se faz tanto com os grandes relatos quanto com as miudezas domésticas.

Ficha técnica:

Admirável Mundo Velho

Autor: Alberto Villas

Editora Globo

392 páginas / R$ 37,90

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