Resenha: A varanda do frangipani (Mia Couto)

A alma se parte em duas de tanta beleza e tanta tristeza com a leitura de A varanda do frangipani, romance de Mia Couto ambientado no período logo depois da independência de Moçambique, a terra natal do autor. O cenário é a fortaleza de São Nicolau, onde funciona um asilo de idosos. 

Quem narra a história é o ‘xipoco’ (espírito) do carpinteiro Ermelindo Mucanga, que é incomodado em sua cova improvisada embaixo de um pé de frangipani plantado nas terras da fortaleza. Ermelindo trabalhava em reparos na construção antes de ser morto. Ele se ressente de não ter sido enterrado com os ritos fúnebres adequados, daí ser um fantasma preso à terra.

Agora, o corpo de Mucanga está prestes a ser desenterrado porque o governo decidiu que o anônimo trabalhador será transformado em herói da pátria. Em um país que foi colônia portuguesa por séculos e ainda reunia os cacos após a longa guerra civil que sucedeu ao processo de Independência, era preciso construir uma identidade nacional.

Como não deseja homenagens e heroísmos, é aconselhado por um ‘halakavuma’ (nome moçambicano para o pangolim, um tipo de mamífero com carapaça dura, que vive na África e Ásia, e se parece com uma mistura de tamanduá com tatu gigante) a entrar no corpo de outra pessoa que está prestes a morrer, para que então possa ‘re-morrer’ e assim ter um enterro digno e o descanso eterno.

“Lhe inspiro medo? Por essa mesma razão, o medo, eu fui expulsa de casa. Me acusaram de feitiçaria. Na tradição, lá nas nossas aldeias, uma velha sempre arrisca a ser olhada como feiticeira. Fui também acusada, injustamente. Me culparam de mortes que sucediam em nossa família. Fui expulsa. Sofri. Nós, mulheres, estamos sempre sob a sombra da lâmina: impedidas de viver enquanto novas; acusadas de não morrer quando já velhas” (Mia Couto, A Varanda do Frangipani, 2007, Companhia das Letras)

Ermelindo possui o corpo do policial Izidine Naíta, que chega de Maputo para investigar a morte de Vasto Excelência, diretor do asilo e ex-soldado durante os anos da guerra. Os capítulos do livro entrelaçam a investigação de Naíta no asilo, onde ele colhe os depoimentos dos idosos, com as digressões do espírito de Mucanga dentro do corpo do policial. 

Os depoimentos dos velhos servem para relembrar não só os fatos sobre a misteriosa morte de Vasto Excelêncio e os tempos da guerra, mas também as tradições perdidas, as crenças locais em deuses, nos elementos e no halakavuma como mensageiro dos céus, na sabedoria dos idosos, nos poderes das mulheres, que amedrontam e fascinam.

As personagens femininas são preciosas nesse livro, com suas dores e resiliência. A feiticeira Nãozinha, a enfermeira do asilo Marta Gima e a mulher de Excelêncio, Ernestina, cativam o leitor por suas histórias trágicas e pela dignidade com que enfrentam os dissabores do destino.

A escrita poética e onírica de Mia Couto, a reverência com a história de seu país e com as pessoas que nele vivem e seus conhecimentos sobre a natureza (Mia é biólogo de formação)  transformam esse pequeno romance – são 152 páginas – em uma joia da literatura contemporânea. A varanda do frangipani é terno e delicado como flores, mas tem a força de um vendaval…

Ficha Técnica:

A varanda do frangipani

Autor: Mia Couto

Editora: Companhia das Letras

152 páginas

*R$ a partir de 19,00 (capa comum) e R$ 22,33 (kindle)

*Pesquisado em 12/11/2019 na Amazon

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