Hoje publico a segunda parte da série de comentários das minhas leituras de Carnaval, para quem ainda não segue o blog no Instagram (postei a maratona por lá, em tempo real).
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Animalescos, de Gonçalo M. Tavares, é um livro árido, do tipo que pode causar estranheza em leitores que preferem histórias mais lineares e suaves. Mas a aridez justifica-se pela temática central: o caos selvagem da vida humana e a frieza mecânica das máquinas, que ao mesmo tempo em que trazem benefícios, nos desumanizam.
O livro é formado por uma colagem de pequenos textos que flertam com o conto, o ensaio e as livres reflexões filosóficas do autor sobre a brutalidade da existência. Enxuto, com apenas 128 páginas, o que Animalescos tem de diminuto (nas dimensões de um livro de bolso), tem de intenso, verborrágico, perverso e insano.
É um grito em forma de escrita, que rasga a alma do leitor…
O marido de minha mulher reúne 12 contos do dramaturgo italiano Luigi Pirandello, recheados de humor satírico, sarcasmo e crítica de costumes. O autor esmiúça a sociedade do final do século XIX e começo do XX, expondo preconceitos, comportamentos e convenções sociais que levam os protagonistas das histórias por caminhos controversos e, na maioria das vezes, tragicômicos.
A coletânea, no Brasil, recebeu o nome do primeiro conto. Mas, originalmente, as histórias formavam a coleção Novelle per un anno, projeto do autor para criar 365 contos, um para cada dia do ano. As histórias de Pirandello reunidas nesta coletânea são agridoces e algumas flertam com a melancolia. Seus personagens remetem à commedia dell’arte.
O marido de minha mulher, o conto de abertura, é uma comédia de erros sobre um sujeito de saúde frágil que imagina como seria a vida da esposa e do filho, após sua morte, caso ela se casasse novamente com o seu melhor amigo. Os delírios do doente, para o leitor brasileiro, lembram aqueles de Bentinho, personagem icônico de Dom Casmurro (Machado de Assis).
As outras histórias seguem essa mesma regra de brincar com as aparências, em um jogo de espelhos que confunde realidade e ficção e embaralha as múltiplas máscaras vestidas pelos personagens que, frequentemente, precisam esconder sua real natureza em nome dos ‘bons costumes’.
Criaturas Flamejantes, de Nick Tosches, é a história do nascimento do rock´n roll e é mais do que isso. O livro, escrito a partir do ponto de vista privilegiado de uma testemunha ocular da história – o autor nasceu nos anos 1940, é jornalista e escreveu a biografia de Jerry Lee Lewis -, traz não só a gênese de toda uma cultura, mas o panorama social pré e pós advento do rock, com as consequentes mudanças nos costumes e no próprio conceito de juventude a partir dos ‘anos rebeldes’.
As descrições das verdadeiras sessões de exorcismo e dos autos de fé de religiosos do período, promovendo queima de discos em praça pública; ao mesmo tempo em que os jovens dos anos 1940 aos 60 ‘botavam para quebrar’, levam o leitor em uma viagem incrível pela origem da cultura pop.
A obra, além de pesquisa apurada que elenca discos e artistas que participaram da criação do rock desde os primórdios, oferece de brinde algumas histórias para lá de pitorescas envolvendo Elvis Prestley, o indomável Jerry Lee Lewis, Chuck Berry e outros mitos.
A leitura é rápida, fluída e ao mesmo tempo bastante rica, porque o livrinho concentra diversas referências bem interessantes para quem é roqueiro de raiz ou mesmo para quem tem curiosidade em saber mais sobre o gênero.
Nota: Todos os livros tiveram os preços pesquisados na Estante Virtual, em 15/03/17
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