Aproveitei o Carnaval para fazer uma mini-maratona literária. Comecei na quinta-feira, 23 de fevereiro, e concluí na quinta posterior, 02 de março, cobrindo um período de seis dias de festa, o *Arrastão da Quarta de Cinzas e um bônus da **Ressaca. Abaixo, para quem se interessa por dicas de leitura e ainda não segue o blog no Instagram (postei a maratona por lá, em tempo real), segue a lista e meus comentários.
Dividi em três partes, porque são oito livros para comentar. Confiram a primeira:
O púcaro búlgaro, lançado em 1964, é o último romance de Campos de Carvalho. Considerado a obra-prima do autor, o livro tem um tom surrealista, como se o cenário fosse um dos quadros de Salvador Dali. Conta a história de Hilário, um homem que fica obcecado por um púcaro búlgaro, que ele viu em um museu na Filadélfia (EUA), em 1958, e decide organizar uma expedição para provar que a Bulgária existe, ou confirmar que, de fato, o país não existe! Ao lado dos únicos que responderam ao seu anúncio no jornal buscando voluntários para a jornada – Radamés, Pernacchio, ‘Ivo Que Viu a Uva’ e Expedito -, Hilário prepara a insólita viagem, enquanto narra os acontecimentos e os desacontecimentos das vidas individuais e do grupo de lunáticos desbravadores que parecem ter saído do chá do Chapeleiro Maluco. Apelando para o humor sarcástico, Campos de Carvalho, subverte a lógica e linearidade narrativa, exercitando a escrita livre de amarras e convenções. O livro beira um surto de loucura. E é lindo por isso!
Orientação dos gatos reúne dez magníficos contos de Júlio Cortázar. Dividido em três partes, o livro foi lançado originalmente na Argentina com o título da segunda história da coletânea – Queremos tanto a Glenda -, que fala sobre um grupo de fãs obcecados por uma diva do cinema e dispostos a chegarem às últimas consequências em nome de sua devoção. No Brasil, a Nova Fronteira (li a segunda edição, de 1981) preferiu usar o conto de abertura Orientação dos gatos, para batizar o volume. As histórias possuem toques sombrios, são recheadas de belas metáforas, como a do gato representando o desejo de liberdade de uma mulher presa a um relacionamento insatisfatório – e também flertam com o realismo fantástico, caso do conto História com Aranhas. Uma das histórias, Grafitti, parece ter sido escrita no Brasil atual, no contexto da polêmica envolvendo o apagamento dos grafites das ruas de São Paulo, a mando da administração municipal de lá. Esse conto tem uma atmosfera opressiva e apresenta a arte como resistência libertária. Ainda na esfera política, Recortes de jornais trata da ditadura na Argentina e de suas sequelas, alternando relatos de familiares de desaparecidos, com ficção. O último conto, Anel de Moebius, é a homenagem de Cortázar a Perto do Coração Selvagem, um dos meus livros preferidos e o romance de estreia de Clarice Lispector. Um trecho do romance é usado como epígrafe deste conto.
O rei se inclina e mata reúne ensaios autobiográficos da escritora, poetisa, ensaísta e Nobel de Literatura Herta Müller, ambientados na infância e juventude da autora, na Romênia de Nicolae Ceauşescu (que dirigiu o país de 1965 até 1989, ano de sua morte). Oriunda de uma família de origem alemã, Herta nasceu e cresceu em um vilarejo do interior romeno, em 1953, e deixou o país como exilada, em meados dos anos 1980. Os textos sobre sua infância revelam uma poesia cheia de dor, delicadeza e do exorcismo de uma educação rígida e de uma vida sob permanente vigilância. Os alemães, derrotados na II Guerra e pagando pelos pecados de Adolf Hitler, mesmo que fossem só colonos semi-alfabetizados e simples lavradores, eram minoria em um país comunista, e por isso sofriam retaliações. Ao se mudar para a capital, para estudar, Herta viveu anos de perseguições e prisões sem justificativa, interrogatórios intermináveis, tinha escutas instaladas em sua casa para vigiá-la e perdeu vários amigos para o regime. As versões oficiais eram sempre de que eles se suicidaram, embora todo mundo soubesse que não resistiram à tortura. A leitura desse livro, embora angustiante, além de mostrar a luta por sobrevivência e liberdade da escritora, também serve como uma boa aula de história.
Glossário de Baianês:
*Arrastão da Quarta de Cinzas – Nesse dia, alguns artistas de Salvador fazem uma despedida do Carnaval, tocando a partir do meio-dia e até uma parte da tarde, no circuito Barra-Ondina, na orla da capital;
**Ressaca de Carnaval – Ainda para marcar o encerramento da festa, bandas e cantores locais promovem festas fechadas chamadas de Ressaca. Elas duram praticamente todo o resto do verão baiano;
Nota: Todos os livros tiveram os preços pesquisados na Estante Virtual, em 14/03/17
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Nossa, não conhecia nenhum desses! :o
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