Resenha: Colchão de pedra

O e-book Colchão de pedra está disponível para empréstimo na Biblion.app/Foto: Andreia Santana/@blogmardehistorias

Colchão de pedra reúne nove contos de Margaret Atwood sobre os terrores da existência e as maldades que os humanos são capazes de fazer a outros humanos. Apesar do clima sombrio de algumas das histórias, não espere sustos, aparições e almas penadas. Na visão meio apocaliptica da autora, nós mesmos somos capazes de assombrar uns aos outros sem precisar apelar para as criaturas das trevas.

Três das histórias reunidas em Colchão de pedra já foram publicadas em outras antologias; e as outras foram escritas para a coletânea. Uma delas, inclusive, inspirada em uma excursão pelo Ártico feita por Atwood e um grupo de amigos, no qual um deles explica como seria possível cometer o assassinato perfeito em meio à desolação e o gelo.

Colchão de pedra, o conto que nomeia a coletânea, é uma história sobre vingança. Uma mulher encontra em um cruzeiro o homem que, 50 anos antes, destruiu sua vida, e planeja dar o troco. Fogo na Poeira, a história que fecha o livro, se passa em uma casa de repouso para idosos ricos, em meio a ataques de grupos de jovens – que levam bastante a sério o ditado ‘não confie em ninguém com mais de 60 anos’ – revoltados com a devastação que as gerações anteriores causaram no planeta.

Lusus Naturae é a história que mais flerta com o terror gótico vitoriano, ao contar a vida de uma garota com uma doença rara e demonizada pela própria família. Enquanto A mão do morto te ama é uma homenagem às histórias trash das pulp fiction e narra as consequências de um pacto vitalício entre amigos.

O noivo seco daria um ótimo roteiro para uma segunda temporada de O gabinete de Curiosidades de Guillermo del Toro, série da Netflix. E Sonhei com Zenia de dentes bem vermelhos traz três amigas de meia idade em uma relação na qual duas delas perdem a noção de respeito à privacidade ao tomarem o controle da vida da terceira.

O primeiro conto do livro, Alphinland, se conecta com outros dois: Aparição e A dama obscura. Juntas, as três histórias falam de um triângulo amoroso formado nos anos 1960, em meio à contracultura e ao Maio de 68, e das vidas de cada integrante do trio décadas mais tarde, quando já estão idosos.

Cada conto traz a história centrada em um dos três protagonistas do triângulo: uma escritora de fantasia, criadora da saga milionária Alphinland; um poeta – para os padrões de hoje ele seria considerado um ‘esquerdomacho’ -, que apesar de ser uma fraude como autor e como pessoa, consegue construir carreira acadêmica e literária de prestígio; e uma filha de aristocratas, mas atualmente falida e decadente, que divide um sobrado com o irmão gêmeo e tem por passatempo ler obituários e comparecer de penetra em funerais de ex-desafetos.

A prosa irônica e zombeteira de Margaret Atwood é usada nessas histórias com maestria para mostrar nosso pior ângulo. A mesquinharia, as inseguranças, a solidão, o adoecimento, a velhice, o machismo estrutural, o confinamento dos loucos, a violência sexual, as relações de aparências, o esnobismo de certos intelectuais, nada escapa à análise crítica da autora. Ainda bem, porque sua escrita ferina é um regalo extra.

Ficha Técnica:
Colchão de pedra – nove contos perversos
Autora: Margaret Atwood
Tradutora: Maira Parula
Editora: Rocco
304 páginas
R$ 48,28 (livro físico, brochura, Amazon) e e-book para empréstimo no Biblion.app

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