Resenha: Contos Negros

Todas as histórias humanas têm, possivelmente, um berço comum, o mesmo de onde viemos, o continente africano. Da África, elas se espalharam no rastro do fluxo migratório dos povos ancestrais, seja por vontade, quando os primeiros seres humanos se dispersaram pela Terra; seja de forma compulsória e violenta, quando seres humanos foram traficados como escravizados. As histórias consolaram os desterrados, serviram de testemunho das injúrias sofridas e também diminuíram o pavor da noite dos nômades, muito antes da existência das cidades, do dinheiro, das disputas de poder.

Contos Negros [Faro Editorial, 2020] reúne as histórias coletadas e reunidas da tradição oral do interior do Brasil por Ruth Guimarães, importante intelectual, escritora e folclorista negra. Cada miniconto desse livro é mais uma camada de areia do tempo retirada do grande sítio arqueológico que é a memória coletiva da nossa espécie.

O que fascina na literatura – e, principalmente, na mitologia e nos contos de fadas -, é perceber os pontos de contato e de distanciamento das muitas versões da mesma história que, muitas vezes, tem origem milenar.

E, nesse livro, Ruth Guimarães oferece as versões carregadas de brasilidade para histórias que muita gente já viu em clássicos de Grimm, por exemplo. O novelo das histórias se divide em fios que se entrelaçam em cada país, cada povo, ganham acréscimos ou sofrem reduções, mas a semente em comum está ali, basta cavar.

É como se cada cultura somasse seu legado ao que veio antes e costurasse mais um tijolinho de tecido nessa fabulosa colcha de retalhos, diversa e múltipla, que é a vida e suas representações.  

O exemplar que eu li: É a edição de 2020 da Faro Editorial, que também lançou outras obras de Ruth Guimarães. A autora coletou mitos indígenas e aqueles com origem na América Latina e no Caribe; estudou e reuniu, ainda, histórias sobrenaturais e de seres encantados; além de ter escrito romances como Água Funda, seu livro de estreia, um clássico de 1946 ambientado no Vale do Paraíba e no Sul de Minas Gerais, onde a autora cresceu.

Nascida em 1920, Ruth viveu até os 93 anos – a autora morreu em 2014 – e fez parte de círculos literários efervescentes na primeira metade do século XX, ao lado de Mário de Andrade e de outros escritores que se voltaram para a cultura brasileira e as tradições de indígenas e africanas, destacando as contribuições desses povos na formação do país.

Comprei o livro para integrar a pequena coleção de contos de fadas que comecei a reunir nos últimos anos. Ainda pretendo adquirir os outros livros da autora. Contos de fadas, lendas, seres míticos, causos regionais… me fascinam. Mais encantada fico em perceber as conexões entre as muitas tradições e culturas literárias da humanidade.

Acho que é a forma como meu sonho de criança, de ser arqueóloga [uma versão feminina de Indiana Jones] se manifesta. Eu escavo palavras, minero histórias. Não à toa, Mário de Andrade dizia que o trabalho de Ruth Guimarães era “ouro puro”.

Ficha Técnica:

Contos Negros

Autora: Ruth Guimarães

Editora: Faro Editorial

128 páginas

*R$ 18,80 (livro físico, capa comum, na Amazon)

*Pesquisado em 08/12/2022

**Imagens no post: Andreia Santana/@blogmardehistorias e Divulgação/Faro Editorial

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