Resenha: Contos de Imaginação e Mistério

A edição da Tordesilhas de Contos de Imaginação e Mistério
(Foto: Andreia Santana/Blog Mar de Histórias)

Meu primeiro contato com os contos de Edgar Allan Poe ocorreu a partir de uma publicação avulsa, dessas comuns em bancas de revista, de Os Assassinatos da Rua Morgue, quando eu tinha entre 12 e 13 anos. Na sequência, li Histórias Extraordinárias, também nesse esquema de brochuras baratinhas. Na adolescência, fui apresentada ao chevalier Dupin, o personagem que investiga os misteriosos crimes da rua Morgue, em Paris, e que protagoniza outras duas histórias de Poe. Revisitar o francês dublê de detetive mais de 30 anos depois e ver que as suas brilhantes deduções ainda me instigam é só um brinde extra dessa edição belíssima de Contos de Imaginação e Mistério (Tordesilhas, 2012).

A edição traz as preciosas ilustrações de Harry Clarke para uma versão de 1919 da obra, que foi publicada originalmente no século XIX (veja alguns desenhos mais abaixo); e resgata ainda o prefácio escrito por Charles Baudelaire quando da publicação original dos contos. Na verdade, trata-se de artigo onde Baudelaire defende a literatura de Poe e faz críticas ácidas aos ‘eruditos’ que a título de valorizar uma suposta ‘alta literatura’, torciam o nariz para as populares histórias de assombração.

De todos os contos de Edgar Allan Poe, um dos meus autores sombrios de estimação, sempre fiquei arrepiada com O gato preto – essa tétrica história que transpira uma violência angustiante – e com o Barril de Amontillado, um conto claustrofóbico de inveja e vingança. Em Contos de imaginação e mistério, além desses dois e do já citado Os assassinatos da Rua Morgue, há uma continuação desse último, O mistério de Marie Roget, também protagonizado por Dupin e inspirado em um assassinato real ocorrido não na França natal do personagem, mas nos Estados Unidos, onde Poe nasceu.

Ilustração de Harry Clarke para o conto A máscara da morte vermelha
(Imagem: Reprodução/Blog Mar de Histórias)

Outras histórias muito boas que completam a coletânea são as clássicas O escaravelho de ouro, A máscara da morte vermelha, O poço e o pêndulo, Manuscrito encontrado em uma garrafa, A queda da Casa de Usher e O coração denunciador, uma história arrepiante sobre medo, paranóia e loucura.

Dentre as que eu nunca tinha lido antes e conheci agora, destaco a ótima William Wilson, sobre um homem dissoluto que é perseguido por um duplo, uma espécie de gêmeo infernal, desde a infância. Esse é o conto que abre o livro. E Os fatos do caso do senhor Waldemar, um conto de zumbi de dar orgulho a George A. Romero.

Muitas das obras de Edgar Allan Poe, inclusive, foram adaptadas para o cinema e a TV. Aqui nessa postagem do Macabra TV, site especializado em terror, tem uma lista muito boa de filmes. Suas histórias apavorantes são também fonte de inspiração ainda hoje para autores de histórias de horror, como Florence and Giles, de John Harding, já resenhada aqui no blog, e para artistas que flertam com o macabro seja na literatura, na música, no audiovisual, na estética gótica que sempre inspira a moda, etc.

Talvez por ter uma história de vida trágica e, com certeza, por criar com a mesma maestria as histórias de fantasmas e aquelas do chamado terror psicológico, Edgar Allan Poe permanece tão atual e pop em pleno século XXI. O medo e a angústia que seus contos e poemas inspiram vem mais de dentro da mente humana do que do além. As suas histórias retratam a loucura, o delírio, o alcoolismo de muitos dos seus personagens – reflexo do fato do próprio autor ter uma longa história de batalha contra o vício -, e o terror religioso em contraste com o apreço à ciência.

Ilustração de Harry Clarke para o conto Ligeia
(Imagem: Reprodução/Blog Mar de Histórias)

Tudo isso embalado em uma prosa que lança mão da ironia, do sarcasmo e da autodepreciação. Os protagonistas de Poe não são heróicos, garbosos e perfeitos, muito pelo contrário, ele é o autor das mentes e corpos arruinados, da corrupção (no sentido de apodrecimento) da morte e da consumição das almas. Suas histórias são como pesadelos, sempre envoltas em uma atmosfera lúgubre. A noite e as madrugadas ou os dias chuvosos e tempestuosos engendram os dramas encenados em suas histórias na melhor tradição gótica, com aquela pitada de melancolia característica do romantismo.

Os desenhos de Harry Clarke reproduzem algumas das passagens mais sinistras das histórias de Poe, o que contribui para atiçar a imaginação dos leitores. São pequenas obras de arte que serviram, inclusive, para consagrar o artista. Os desenhos foram encomendados em 1917 e a edição da editora britânica Harrap saiu em 1919 e foi considerada uma espécie de jóia bibliográfica da época.

A Tordesilhas resgata essa edição histórica, que destaca ainda comentários de Júlio Verne e de Sir Arthur Conan Doyle sobre Edgar Allan Poe e sua obra. Verne chega a afirmar que Poe criou “um gênero literário diferente”. Diferente, bastante imitado, mas que ainda atrai como um imã…

O exemplar que eu li – Foi lançado em 2012, pela Tordesilhas, e faz parte do acervo de minha irmã, que tem uma biblioteca que é uma nona maravilha do mundo pós-contemporâneo…

Ficha Técnica:
Contos de imaginação e mistério
Autor: Edgar Allan Poe
Tradução: Cássio de Arantes Leite
Ilustrações: Harry Clarke
Editora: Tordesilhas
425 páginas
*R$ 39,84 no Magazine Luiza
*Pesquisa em 28/01/22

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