*Um cadáver para sobreviver (Daniel Kwan e Daniel Scheinert, EUA, 2016)
Indico esse para quem além de curtir o cinema alternativo, gosta de obras surreais no estilo de Adaptação, de Spike Jonze. O tom do filme também lembra algumas produções do cineasta francês Michel Gondry. Nesta produção, Paul Dano vive Hank, um homem de temperamento retraído, em crise existencial, que está perdido em uma ilha deserta e decide se matar, quando encontra um cadáver jogado na praia, vivido por Daniel Radcliffe. Hank passa a usar os ‘talentos’ do morto, chamado de Manny, – daí o nome original Swiss Army Man (canivete suíço humano, em tradução livre) – para conseguir retornar à civilização. O filme tem cenas escatológicas, precisa ter estômago forte, e algumas bizarrices tragicômicas, mas não deve ser visto de forma literal, já que oferece cenas poéticas, diálogos pontuados por filosofia existencialista, vários temas de reflexão e ótimas metáforas sobre a condição humana. Os dois atores estão brilhantes e se entregam aos papéis com bastante empenho. Paul Dano vive um homem reprimido, incapaz de interagir com outras pessoas, preso em um deserto interior antes mesmo de perder-se na ilha, e que através da amizade com um morto percorre os caminhos que revelam as muitas camadas de sua personalidade. Já Radcliffe e seu cadáver ‘falante’ e meio exuberante, faz o contraponto ao retraimento de Hank e o provoca com perguntas inocentes e uma lógica quase infantil, como se a morte nos transformasse em crianças eternas. Até porque, boa parte dos dilemas humanos não fazem sentido depois da morte. Destaque também para o fantástico trabalho de corpo do ator, que passa 90% do filme imóvel e com Paul Dano fazendo ‘gato e sapato’ dele.
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*Os acompanhantes (Shari Springer Berman, Robert Pulcini, EUA, 2012)
Outro momento interessante de Paul Dano (gosto bastante do ator), dessa vez fazendo dupla com Kevin Kline. Nessa comédia dramática sobre o medo de criar vínculos, identidade e solidão, Kline vive o dramaturgo Henry Harrison, que está passando por uma séria crise financeira e, ao colocar um anúncio no jornal em busca de alguém para dividir seu apartamento, conhece o professor de literatura Louis Ives, que sonha em se tornar escritor. O excêntrico Harrison introduz o tímido Ives (sim, outro personagem desengonçado e retraído de Dano, mas totalmente diferente do Hank de Swiss Army Man) no universo dos acompanhantes de viúvas ricas, idosas e solitárias. Os ‘extra man‘ (nome original do filme) levam as viúvas ao teatro e a restaurantes, fazem a corte, levam flores, estabelecem conversas refinadas e inteligentes, mas não oferecem favores sexuais, a menos que alguém solicite. Em troca, as viúvas pagam pela companhia e mantém vários extra man gravitando ao seu redor, estimulando uma certa competição entre eles por seu favoritismo. Fascinado por esse mundo diferente em que Harrison transita, Ives quer escrever sobre o amigo e começa a dar vazão aos seus desejos reprimidos; além de questionar a inadequação que sempre sentiu com o próprio corpo e identidade.
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*Versos de um crime (John Krokidas, EUA, 2013)
O filme é um deleite, principalmente, para admiradores dos autores da Geração Beat. Ambientado no período em que Allen Ginsberg, William S. Burroughs e Jack Kerouac se conheceram. Ginsberg é vivido por Daniel Radcliffe, em outro bom momento do ator britânico pós-saga Harry Potter. Baseado em fatos da biografia dos escritores beat, tem como pano de fundo o assassinato de David Krammerer pelo amante, Lucien Karr, colega de faculdade e interesse amoroso de Ginsberg. No entanto, o crime aqui é secundário, pois importa mesmo é a reconstituição da época e das bases de um dos movimentos literários mais revolucionários e pulsantes do século XX. A caracterização dos autores é bem superior ao On the Road de Walter Sales e Sam Riley. Além disso, Versos de um crime (Kill your darlings, no original), é mais fiel ao espírito inquieto, iconoclasta e contestador dos jovens escritores, que queriam romper com as normas acadêmicas e as amarras estéticas e estilísticas da literatura ensinada no período.
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*La adopción (Daniela Féjerman, Espanha, 2015)
O filme conta a história de um casal espanhol que pretende adotar uma criança e viaja para a Lituânia, em busca de um órfão pobre do leste europeu. Em meio a burocracia imensa do país, às barreiras da lingua e cultura, subornos infindáveis de um sistema de adoção corrompido e da pressão exercida pela família, Natalia (Nora Navas) e Daniel (Francesc Garrido) enfrentam uma crise no casamento e deixam vir à tona uma série de ressentimentos adormecidos. A adoção, até então, era um tampão mal colocado nas rachaduras de um relacionamento em vias de desmoronar. Drama sobre situações cotidianas e expectativas frustradas, o filme traz questionamentos interessantes sobre as noções de família, maternidade e paternidade.
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