Um mulher tem o direito de definir-se como bem entender, de ser quem ela quiser ser, de se comportar como quiser, sem dar satisfações ou pedir permissão a ninguém. Mas a regra só vale se ela faz isso por si mesma e não porque existe todo um contexto social que a força, ou convence com propaganda eficiente, a adotar determinados papéis ‘certos’ e a rejeitar supostos comportamentos ‘errados’.
A premissa básica do feminismo é essa: as mulheres têm tanto direito quanto os homens de ser e fazer o que bem entenderem de suas vidas, sem serem julgadas ou punidas por suas escolhas. Na verdade, todas as pessoas, binárias ou não-binárias, têm esse mesmo direito a existir e ter suas identidades e cidadanias reconhecidas, independente da cor da pele, da textura do cabelo, do saldo da conta bancária, do grau de instrução, da orientação sexual, do gênero, do país onde nasceram, etc. etc. “Meu corpo, minhas regras” pode ser lido também como “minha vida, minhas regras”. Simples assim!
Mas, se a mulher tem o direito de ser quem ela quiser sem ser julgada e condenada no tribunal da santa inquisição das opiniões alheias, uma revista de circulação nacional, um veículo de imprensa com o status de ‘formador de opinião’, não tem o direito de vender o modo de vida de determinada mulher com o discurso subliminar de que ‘esse padrão é o correto e quem estiver fora dele é anormal, indecente e indigna de respeito”. Principalmente nos tempos bicudos e polarizados de hoje, quando a mulher modelo em questão é ninguém menos que a esposa do vice-presidente da república.
Ser do lar, bonita, loira, cabelo liso, branca, recatada, sorridente e fashionista não desabonam a existência de Marcela Temer enquanto mulher. Ela tem direito de viver a própria vida como bem entender. E se, para essa moça, a realização máxima é cuidar do marido e do filho, ou fazer luzes com o cabeleireiro das estrelas, ela tem tanto direito de ser respeitada por essa opção quanto as mulheres que optam por ser solteiras, por não ter filhos, por investir na carreira, por lavar o cabelo com o xampu de dez reais do mercadinho da esquina, etc. etc… Mas, desde que essas características – e escolhas – da vice-primeira dama não sejam usadas para justificar a agressão e a opressão a todas as outras mulheres que estejam fora do modelo “moça de fino trato”.
A reportagem sobre Marcela Temer na Veja seria só mais um perfil de socialite como muitos que as colunas sociais exibem todos os dias, se a linha editorial da revista não fosse reconhecidamente contaminada com ideologias preconceituosas e excludentes. A partir do momento que o perfil da vice-primeira dama serve para legitimar um modelo socialmente aceito de mulher em detrimento daqueles considerados inadequados, uma luz vermelha se acende. Existe ainda uma outra questão: diante da instabilidade política e da iminência de um golpe anti-democrático, com uma votação de Impeachment onde torturadores são elevados à condição de herói, a sensação que a reportagem passa é a de que a revista já começou a fazer campanha, abertamente, para que de vice, Marcela Temer seja elevada a primeira-dama da nação, nesse caso, uma primeira-dama dentro dos padrões que a família tradicional brasileira espera. Uma mulher “respeitável”.
Acontece que respeitáveis somos todas! Independente das questões políticas que a reportagem levanta, é perigoso o suficiente que esse modelo de ‘boa garota’ vendido pela Veja faça eco aos modelos de mulher estampados mensalmente por boa parte das revistas ditas femininas. A verdade é que, voltando ao início deste texto, não existe modelo certo ou errado de mulher, não existe boa garota x garota má. Todas essas denominações são falácias. Elas só existem porque há séculos o machismo, usando de inúmeras ferramentas, desde as agressivas às subliminares, busca criar insegurança nas mulheres (principalmente em relação à própria aparência e comportamento) questionando suas escolhas e mostrando que sozinhas, elas não são capazes de conduzir as próprias vidas.
Mas somos, sim, capazes de conduzir nossas vidas e de honrar nossas escolhas. E cada vez mais, as mulheres se conscientizam de que o poder sobre as próprias vidas é delas só e de mais ninguém. A famosa frase de Mae West – “Garotas boas vão para o céu, garotas más vão para qualquer lugar” -, embora ainda tenha um sentido válido porque as mulheres continuam sendo categorizadas, carece de atualização, porque a verdade é que sendo boas ou más, todas temos o direito de ir onde bem entendermos!
Esse final ficou meio repetitivo, mas a ideia é essa mesma, bater na tecla até que a ideia deixe de ser utopia e se transforme na única norma válida em um mundo justo: a regra é que não existem regras e cada pessoa tem direito a ser respeitada por ser quem é!