Cheguei à agência bancária meia hora antes do atendimento ao público começar. O que eu fui fazer lá era bastante simples, buscar um documento referente à minha conta corrente. Levaria menos de 10 minutos. Demorou quase uma hora. Tempo esse em que, eu, pacientemente, escutei os resmungos da funcionária que me atendia, enquanto ela tentava localizar meu documento. Quando finalmente encontrou, me entregou o envelope com a seguinte queixa: “deu trabalho viu, meu pescoço até ficou doendo de tanto procurar”. Eu, constrangida pela declaração, me vi respondendo: “Desculpe ter te dado esse trabalho”…
Ao sair da agência minha ficha caiu e me lembrei de outra cena. Uma amiga, certa vez, ao sair de uma reunião de trabalho, viu que o marido havia ligado para ela. Ao retornar a ligação, a primeira palavra que saiu logo após o clássico, “oi amor” foi “me desculpe, estava em reunião”…
Por que, me pergunto, nós mulheres temos tanta necessidade de pedir desculpas o tempo todo, mesmo quando não fizemos nada de errado? A resposta, provavelmente, está na educação que recebemos. Desde a mais tenra infância, somos ensinadas a ser criaturas doces, bem educadas e simpáticas. Para sermos aceitas por essa sociedade que ainda categoriza e julga impiedosamente as mulheres, temos de ser sempre “boazinhas”.
Em 2011, ganhei de aniversário o livro Mulheres que correm com os lobos, da Clarissa Pinkola Estés. Naquela ocasião, separei uma citação da obra e compartilhei aqui no blog. O trecho fala justamente disso, do quanto é esperado pela sociedade que as mulheres sejam suaves e delicadas a ponto de se anularem como indivíduos (leia aqui).
Ao sair do banco e ver que eu havia pedido desculpas para a funcionária que me atendeu com extrema má vontade e resmungando por ter de procurar no arquivo um documento que me pertencia, percebi que até mesmo uma mulher feminista e atenta a toda a normatividade que nos cerca pode cair na armadilha da docilidade.
Não estou falando de educação e gentileza, duas coisas que independem de gênero e que deveriam ser norma para todos os seres humanos. E, de fato, ao chegar à agência e ao balcão de atendimento, cumprimentei a funcionária educadamente, solicitei o serviço e aguardei com bastante calma. Então, não se trata da educação que todos devemos ter e dispensar no tratamento de uns com os outros. Educação é norma, é o mínimo que se espera de uma pessoa. Mas a funcionária do banco não foi educada comigo. Ela me atendeu de má vontade, reclamando e praguejando logo no seu primeiro atendimento do dia e ainda me chantageou, ao atribuir sua dor no pescoço ao fato de ter ficado muito tempo com a cabeça curvada, remexendo o arquivo em busca do meu documento! E ainda assim, o lado condicionado e dócil, a menininha que foi ensinada a ficar quietinha para não atrapalhar os outros, falou pela minha boca aquele desnecessário “me desculpe”!
Trata-se mesmo de um triste condicionamento imposto às mulheres, que são ensinadas a ficarem quietinhas porque é assim que todos esperam que elas sejam: submissas e dóceis. Espera-se que uma mulher sempre se justifique por existir, que ela praticamente peça licença para respirar, que ela fique constrangida por ocupar um alto cargo, que aguente carregar todo o peso do mundo – os próprios problemas, os da família, os do planeta – só para não incomodar os outros, porque mulheres que incomodam são as “erradas”, daquele tipo que ninguém quer por perto. Essas são as “neuróticas”. As que reclamam seus direitos, exigem ser bem atendidas, ou as que são assertivas, ah, essas ganham logo a etiqueta de estressadas e mal amadas!
Mas, depois que a ficha caiu (e quem disse que os processos de desconstrução da educação normativa são fáceis) me propus um exercício. De agora em diante, economizarei as desculpas para quando forem realmente necessárias. Não pretendo abrir mão da educação e da gentileza, lógico, mas nada de ficar me justificando e auto punindo por falhas que não são minhas. Chega de ser dócil apenas porque é isso que se espera das mulheres “certas”. Venho tentando desconstruir a mulher certa há muito tempo, mesmo que de vez em quando, dê umas derrapadas como esse “me desculpe” desnecessário de hoje.
Como diz a sábia amiga Clarissa, é hora da “mulher selvagem” manter as garras permanentemente afiadas!
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*(Im)paciente Crônica é uma das tags do Mar de Histórias. Ela morde!
Agora na verdade, mudei de endereço: http://www.adrianovilla.com.br ou adrianovilla.wordpress.com
Obrigada pelos links. Abs!
Olá Andreia, como vai? Bom, não sou mulher mas também não tiro o desculpe dos lábios, até inventei uma frase que se tornou algo repetitivo na empresa “desculpe por existir” :) e já que falou em mulher, lhe convido para ler o último texto postado em meu blog: http://www.adrianovilla1.blogspot.com felicidades e “desculpe” só para não perder o costume
Oi Adriano,
Obrigada pela visita, pelo comentário bacana e pela dica de leitura no seu blog. Irei passear por lá sim :)
bjs