Quem era criança em Salvador, nos anos 80, deve lembrar que na velha Sorveteria Campo Grande era vendido o famoso “picolé de Itu”. Tinha bem uns 30 centímetros, duas ou três cores, que representavam sabores diferentes, e o formato cilíndrico. Poucas vezes minha mãe tinha dinheiro sobrando para comprar um desses, mas quando acontecia, era uma festa. O nome, é óbvio, fazia referência à cidade que tem fama de ter tudo em escala agigantada e que fica no estado de São Paulo, a 92 km da capital, me diz o Google e um site de turismo.
Pois nesta sexta, ao entrar no ônibus que me leva ao trabalho, me bato com um vendedor apregoando o “fantástico, legítimo, fenomenal e inimitável picolé de Itu”. Fiquei pensando em quem iria querer um picolé, ainda mais tão grande, aquela hora da manhã. A mente viajou de volta à infância rapidinho e bateu aquela nostalgia. Durou pouco. O primeiro passageiro que comprou a versão moderna do picolé de Itu jogou gelo nos meus devaneios. O tal picolé, de Itu não tinha nada. Era minúsculo e insignificante como qualquer outro picolé. Tinha o tamanho exato de outro famoso gelado baiano, o Capelinha. A única coisa que lembrava o antigo, saudoso e aí sim, inimitável picolé da Sorveteria Campo Grande era o formato roliço.
O rapaz sentado ao meu lado já tinha até tirado o dinheiro da carteira, provavelmente um membro da confraria dos nostálgicos também. A decepção dele foi tão grande quanto a minha. Cédula de dois reais de volta à segurança do bolso, o rapaz pergunta ao vendedor que continuava mercando seu pseudo-picolé. “Venha cá, você tem certeza que esse picolé é de Itu?” O vendedor estufou o peito e respondeu convicto que aquele era o legítimo e o “incomparável”. O rapaz emendou: “mas desse tamanho!? Usaram nanotecnologia no picolé, foi? É um gigante mirim!?”
Impossível não rir. Os outros passageiros, inclusive aquele que tinha comprado o picolé, começaram a fazer piadas em sequência. “O picolé tomou chuva e encolheu!”, gritava um. “É a versão compacta”, emendava outro. “É uma edição em homenagem à seleção brasileira”, acrescentava um torcedor não conformado com a perda do Hexa.
Entre uma piada e outra, o vendedor, já sem graça com o bullying, não conseguiu mais vender picolé nenhum. Até tentou, coitando, mas era só abrir a boca para ouvir outra pérola sobre as dimensões diminutas do picolé que, pelo nome e honrando a tradição da infância de uma parte considerável dos passageiros, deveria ter, no mínimo, 30 centímetros e dois ou três sabores.
Restou ao coitado, caixinha de isopor pendurada ao ombro, descer no primeiro ponto possível para evitar vexame maior. Não sem antes resmungar, olhando de soslaio para o rapaz ao meu lado: “miserável, filho da p*, quebrou minha guia!”