Sobre as urgências que criamos e acreditamos que são reais

roboPode parecer um paradoxo alguém que trabalha, ou ao menos trabalhou por muito tempo, com jornalismo on line, querer viver períodos de detox digital. A vida tem dessas contradições, diria algum verso de canção popular. As pessoas tem dessas contradições…

Fico aqui pensando com os meus botões o quanto da hiper-conectividade atual é necessidade real da vida contemporânea e de um caminho sem volta para o futuro idealizado por Aldous Huxley, e o quanto é necessidade inventada, um desejo inconsciente de vivermos dias de Admirável Mundo Novo. Temos uma capacidade enorme de nos emaranhar em situações das quais gostaríamos de fugir. Com as redes sociais não é diferente. Criamos contas em quase todas e acabamos usando apenas uma ou duas. Até já falei um pouco disso em crônica recente, uma resposta meio irada a uma pergunta inconveniente sobre a minha ausência do Instagram.

Ultimamente, andei pensando na possibilidade de trocar meu celular velho de guerra por um smartphone. Conversando aqui e ali com amigos, alguns apontaram a necessidade de que eu esteja mais disponível. Não que eu não seja, ao contrário, me considero até bem articulada para uma migrante digital e isso tem relação com o meu trabalho, que cada vez exige mais que eu acesse e me embaralhe nas redes. Também não sou do tipo que reclama da tecnologia, ela é útil para muita coisa. Só que eu pertenço a um tipo de gente que usa a tecnologia de forma crítica e que mesmo trabalhando conectada boa parte do dia, preza os momentos fora da rede como aqueles necessários para descansar corpo e mente. A internet para mim está associada a  trabalho. Quando quero relaxar, busco momentos de lazer em um bom livro. Minha alma é medieval e contemplativa.

O conselho dos amigos é para que eu leve a conexão comigo e não apenas esteja disponível no desktop, no horário do expediente, mas fora dele, em qualquer lugar, a qualquer hora. Mobilidade é uma das palavrinhas em moda.

Fiquei tentada e por um tempo, felizmente curto, até acreditei que a necessidade havia surgido e que era preciso ao menos ter como checar e-mails no caminho de casa para o trabalho, ou na fila do supermercado. Mas então me lembrei de uma situação da infância. De minha avó reclamando que minha mãe (filha dela) era o tipo de pessoa que, quando chegava uma carta, não corria para rasgar o envelope e ler imediatamente o conteúdo. Na teoria da minha mãe, se a carta trouxesse notícia boa ou ruim, ela correr para abrir o envelope não mudaria o fato ocorrido. Não que minha mãe não soubesse da importância das urgências ou da existência das emergências da vida, mas de que adiantaria ansiedade? Para resolver questões complicadas é preciso além da capacidade de agir rápido, aquela de avaliar e tomar a melhor decisão. Ansiosos raramente decidem bem.

E pensando na tal da mobilidade, imaginei o quanto de ansiedade um smartphone traria para a minha vida e o quanto “estar disponível” pode ser também apenas mais uma forma de escravidão. Por mais que a gente diga, “ah, comigo não vai ser assim, não vou ficar o tempo todo conectada, é só para emergências…”, a verdade é que as emergências se tornarão cada vez maiores a partir do momento que abrirmos essa brecha para a mobilidade. Decidi não abrir a brecha, ao menos por enquanto.

Me dá uma certa aflição viver um tipo de vida em que o deslocamento de casa para o trabalho ou vice-versa não possa ser gasto apenas com os próprios pensamentos. Me sinto meio robô ao imaginar uma vida em que cada segundo conta, em que não se pode desperdiçar meio minuto, em que checar e-mails, tomar decisões, responder demandas, ocupe praticamente as 24 horas do dia.

Eu não pertenço a esse ritmo insano, embora precise, muitas vezes, correr um bocado para cumprir prazos de trabalho. E, até hoje, nunca tenha deixado de cumprir nenhum. Mas sempre tendo em mente que o poder de dizer “basta! já dei minha cota”, é todo meu. Chefes, clientes, subordinados, parceiros não vão puxar o freio de mão a menos que a gente sinalize onde estão e quais são os limites.

Somos nós que fazemos da própria vida um inferno ou um paraíso. Somos nós que ditamos a velocidade do cavalo. Lógico que, conscientes de que abrir mão de subir no carrossel pode significar menos grana, ou menos prestígio. Cada um decide se quer ou não pagar o preço…

Tenho desejado cada vez mais aderir a um conceito de slow living. Viver mais devagar, viver menos ansiosa, menos estressada, menos apressada, menos desesperada para corresponder aos outros, com menos risco de adoecer.

Projetos, sonhos, ambições, tenho muitos, como boa parte da humanidade. E ainda não encontrei a fórmula perfeita para conciliar uma vida material mais confortável com uma de trabalho intenso e dedicado, porém com carga horária justa e humanamente possível. Mas continuo em busca, testando aqui e ali, fazendo ajustes quando as coisas saem da rota.

Cheguei a conclusão de que a mobilidade ainda não é uma necessidade para mim. As conexões vão ocorrer, como já ocorrem, e os prazos continuarão sendo cumpridos, mas no desktop, no horário do expediente do escritório ou mesmo em sistema home office. Havendo a necessidade de cumprir prazos mais apertados nunca me neguei a trabalhar em casa, mas percebi que às vezes me deixo levar pela urgência alheia e desrespeito meus momentos de descanso, de oxigenação do cérebro.

Talvez seja a tal “crise” dos 40, ou o que muita gente chama de crise seja só uma consciência maior de que tudo é finito que vem com a maturidade. E de que, como dizia minha mãe antigamente, correr contra o relógio não vai impedir que o tempo avance.

Hoje eu quero um ritmo de vida que me faça enxergar no espelho uma pessoa, não uma máquina com pálidos resquícios do que um dia foi um ser humano.

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