Resenha: Um gato de rua chamado Bob

Amizade confortável e quentinha como o chá das cinco

Livro sobre ex-viciado e gato de rua lidera lista dos mais vendidos e deve virar filme

Por Andreia Santana

Quando estão na rua, Bob gosta de passear encarapitado nos ombros de James

Bob é o equivalente felino ao labrador Marley, que virou febre mundial quando seu dono, o jornalista John Grogan, transformou as peraltices do cão em crônicas semanais no jornal onde trabalhava e depois em bestseller. Os dois bichos de estimação tem mais em comum do que o afeto incondicional de seus donos. Assim como Marley saiu da vida de John para os livros e destes para o cinema, as estripulias do gato Bob devem virar roteiro para um filme produzido pela mesma equipe de Marley & Eu.

O bichano chegará à telona com tantos fãs quantos admiram o colega canino. Em Londres, cidade de origem de James Bowen, autor de Um gato de rua chamado Bob, a história ficou 32 semanas na lista dos mais vendidos. No Brasil, o livro lidera as listas dos dez mais vendidos na categoria de não-ficção há nove semanas, segundo os rankings das revistas Veja e Época, e do site Publishnews.

Bob também está nas redes sociais: tem mais de 80 mil curtidores na fanpage do Facebook (www.facebook.com/StreetCatBob) e 37,8 mil seguidores no Twitter (@StreetCatBob), segundo medição feita no último dia 24 de julho. Na Inglaterra, James Bowen e Bob (o gato participa das turnês de lançamento) se preparam para publicar a continuação de suas aventuras no final deste ano. O novo livro, sem previsão de publicação no Brasil, se chama The World According to Bob (O mundo de acordo com Bob, em tradução livre).

Para alcançar esse status de celebridades literárias, Bob e James passaram por poucas e boas. O livro é um relato edificante da amizade dos dois e conta a forma como se conheceram, em circunstâncias adversas. James Bowen encontrou Bob machucado, dormindo no tapete de um dos andares do edifício onde morava. O detalhe é que o rapaz, na ocasião, não tinha condições nem de cuidar de si mesmo, muito menos de adotar um bicho de estimação. Diagnosticado na adolescência com Bipolaridade e TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade), James era um ex-morador de rua vivendo em um imóvel subvencionado pelo governo britânico e em tratamento contra a dependência em heroína.

Ao cuidar do gato machucado e após o animal se recusar a abandoná-lo, James iniciou uma jornada de recuperação da autoestima e da cidadania. No livro, o rapaz atribui a Bob o papel de “anjo da guarda” e afirma que o felino salvou-lhe a vida, dando-lhe a motivação de que precisava para manter-se no programa de reabilitação. Além disso, ajudou-o a passar pelo tratamento, que no caso do vício em heroína, é pontuado por riscos de recaída e episódios de fissura e paranoia.

A linguagem do livro, embora a história tenha momentos emocionantes, passa longe da pieguice. O que James faz, de maneira despretenciosa, é a crônica de uma amizade profunda e da cumplicidade nascida entre duas criaturas que se uniram no auge do desespero. Quem cria gatos saberá bem do que o autor fala quando atribui a Bob uma aura mítica e praticamente “poderes sobrenaturais”. Os gatos, embora o senso comum pregue o contrário, são animas solidários, principalmente nos momentos de maior dor ou tristeza.

O que levou James Bowen, um adolescente britânico comum que sonhava em ser guitarrista, às drogas foi desde problemas sérios de autoestima até questões familiares como a separação dos pais, a relação conflituosa com a mãe e o padrasto, e a instabilidade da vida doméstica. O gato tornou-se o porto seguro do autor e o guia em sua trajetória para tornar-se novamente humano e visível.

Sobre a invisibilidade da vida nas ruas, à mercê da violência, James escreve com propriedade, dando ao leitor uma ideia precisa do pesadelo da dependência e também do quanto aqueles que vivem abaixo da linha de pobreza tornam-se “não-pessoas”, passando despercebidas pelos transeuntes ocupados com suas vidas “normais” e pelo próprio governo, que em raros casos oferece chances reais de recuperação.

Mas, nem só de drama vive a história de James e Bob. O gato é carismático, inteligente e tem bastante energia. Várias cenas do cotidiano dos dois são divertidas. Em outras, o leitor fica apreensivo e torcendo para que esses “dois mosqueteiros” errando pelas ruas da capital inglesa encontrem um final feliz.

Sem apelar para o clichê, mas ao mesmo tempo enfatizando coisas simples da vida e até óbvias como a necessidade que todos os seres tem de amor e compreensão, o livro trata de segundas chances, mas sem apelar para a catequese da autoajuda. É otimista sem polianismo.

Tanto para quem ama gatos quanto para quem tem cisma com os bichanos, fruto de preconceitos medievais, o livro presta um serviço de informação, pois ajuda no entendimento da complexa e fascinante personalidade desses felinos e do quanto eles servem de metáfora para a compreensão do próprio comportamento humano.

A leitura de Um gato de rua chamado Bob também é bastante rápida e fluída. A prosa de James é simples, direta e amigável. Ao ser convidado para testemunhar a relação delicada entre um homem e seu gato, o leitor mais sensível terá aquela sensação reconfortante de tomar um bom chá da tarde com biscoitos.

Ficha Técnica:

Um gato de rua chamado Bob

Autor: James Bowen

Tradutor: Ronaldo Luís da Silva

Editora: Novo Conceito

240 páginas

Preço: R$ 24,90

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