(Im)paciente Crônica: o biquíni é de Betty!

Betty Faria, atrizNunca entendi a necessidade mórbida e a falta de bom senso de algumas (muitas) pessoas em comentar a vida alheia como se direito a isso tivessem. Me irrito profundamente com invasões de privacidade e com gente que tem a mania de julgar o comportamento dos outros. Tenho cisma com os “baluartes da moral e dos bons costumes” porque geralmente esse tipo de gente é hipócrita, preconceituosa e apegada a padrões baseados na exclusão e na discriminação, na rotulação das pessoas em categorias “do bem” e “do mal”. Esse tipo de criatura, geralmente, é machista, misógina, racista, homofóbica, xenófoba e outras atrocidades do gênero, muitas vezes tudo isso ao mesmo tempo, porque baseia suas crenças em teorias absurdas de superioridade moral, de raça, de gênero!

Lógico que ter opinião sobre qualquer assunto é um direito de cada um, mas a opinião de um não pode cercear a liberdade do outro. É preciso saber separar o que é uma opinião do que é preconceito e discriminação. Uma pessoa pode não gostar de alguma coisa e não adotar na sua vida, mas tem de ter em mente que outros que gostam ou adotam, merecem tanto respeito ou consideração quanto elas mesmas. É simples assim.

Além disso, é preciso saber que quando emitimos uma opinião, estamos sujeitos a ouvir discordância. Discordar faz parte da vida e as pessoas maduras intelectualmente – e espiritualmente – sabem ouvir a discordância do outro e buscam crescer com essas opiniões contrárias. Quem não aceita nunca que a opinião alheia seja diferente da sua e tenta desqualificá-la, não passa de um intransigente e ignorante. E gente assim não evolui.

Intransigentes e ignorantes têm tendência de comportarem-se como ditadores. É de uma burrice e de uma cegueira de espírito enormes querer impor sua vontade aos demais como se ela fosse a única forma correta de ver ou fazer as coisas. Ditadores são burros, cegos, ignorantes e limitados. Precisam da agressão verbal ou física e do uso da força para manterem-se no topo, justamente porque sabem que suas crenças são cheias de falhas, injustificáveis à luz da razão, e sem um aparato de repressão física ou psicológica, não se sustentam.

Me perguntei o por que dessa celeuma toda em torno do biquíni da atriz Betty Faria e cheguei à conclusão de que além do velho mau hábito de se meter na vida alheia, o que pesa nas opiniões ofensivas sobre a atriz, que repercutiram nas redes sociais nos últimos dias, é medo da velhice. Betty, senhora de mais de 70 anos, ao exibir seu corpo de idosa numa praia, algo a que ela tem todo o direito, tanto quanto as garotas de 17, botou o dedo na ferida do Ocidente: o pânico que a nossa cultura tem do envelhecimento e as tentativas absurdas de frear o avanço do tempo. Como se isso fosse possível.

Esse medo se traduz em normas e regras de conduta. O que é ou não adequado para um idoso, e principalmente, para uma mulher idosa fazer ou dizer. Ora, batam-me um abacate! Quem sabe o que é ou não adequado para si mesmo é a pessoa. Não é porque alguém não usa biquíni (porque não gosta, não tem coragem, acha inadequado), que todo mundo tem de achar também. Cada um faz suas escolhas, baseado em sua visão da vida e de mundo, na educação e criação que recebeu (liberal, repressora, paranoica? Faz análise e supera esse trauma!), seus valores, crenças…

Se Betty quer usar biquíni, o corpo é dela, o biquíni é dela, o que exatamente o resto da humanidade tem com isso? Onde está escrito que mulheres idosas não podem namorar, transar, usar biquíni, minissaia, etc.? Cadê essa regra absurda? Quem criou algo tão inoportuno e inútil? Se alguém criou uma regra dessas precisa se tratar, porque sinceramente, é de uma falta do que fazer gigantesca ficar monitorando o corpo alheio e apontado o que é ou não correto na vida dos outros. Mais produtivo é cuidar da própria.

Todos vamos envelhecer, se não morrermos jovens. O tempo passa, o corpo, esse invólucro físico, essa máquina que sustenta nosso espírito, se desgasta. Com o avançar dos anos chegam as rugas, as pelancas, celulites, estrias, flacidez. O corpo das pessoas reais tem tudo isso, umas em maior quantidade, outras em menor, depende da genética de cada um, do quanto esse corpo foi usado ao longo da vida do indivíduo, do quanto a criatura tem para investir em tratamento estético, do quanto se alimenta bem, faz exercícios… Não importa, tudo isso apenas ameniza a passagem do tempo, mas ele vai passar e a velhice vai chegar.

É uma questão simples de compreensão e que no fim das contas depende muito do que a pessoa tem na cabeça, se algo além de cabelos, futilidades e ideias preconceituosas; ou se um objetivo de vida muito maior do que vigiar o vizinho, saber com quem ele dorme, se está gordo ou magro, quanto gasta no cartão…

Quem não quiser ver as pelancas da Betty Faria na praia,  que olhe para o outro lado, mas ela que vá à praia com seu biquíni, seu chapéu e óculos escuros e tome o sol na medida certa, que vitamina D, inclusive, previne osteoporose. Não tome sol demais, Betty, por causa do câncer de pele, mas fora isso, reine na praia. Outras mulheres que não queiram usar biquíni, que usem maiôs, mas porque elas querem e não porque a sociedade impõe.

Que Betty curta a vida que ela ainda tem para viver. Nenhuma mulher ou homem deve deitar no caixão e esperar a morte chegar só porque passou dos 50 anos. Que as pessoas que temem a velhice se inspirem em idosos como dona Betty, que ainda trabalha, que ainda vai a praia, que brinca com os netos, que busca manter-se saudável e ativa.

Idade é uma questão de espírito. O meu é velho como o tempo, e ainda assim, capaz de renovar-se. E o seu?

4 pensamentos sobre “(Im)paciente Crônica: o biquíni é de Betty!

    • O biquíni quer tomar um sol., arejar… Em 2013, quando escrevi o texto e Betty ‘causou’ na praia, podia. Agora, na era pandêmica, melhor ela e o biquíni ficarem em casa para não pegarem covid-19. Obrigada por comentar no blog!

  1. Concordo exatamente com tudo o que vc escreveu… E acrescento: homens velhos (famosos ou não) vão às praias com suas sungas e não são alvo de críticas como as dirigidas à Betty. O machismo é assassino e entende que nossos corpos de mulheres devem ser permanentemente controlados, para ele, nem a idade nos dá autonomia.

  2. É Andreia. Tempos difíceis esses. Eu também fico me perguntando até que ponto a cobra não engole o próprio rabo também, afinal, muitos artistas precisam e/ou adoram ter suas vidas expostas. O século passado foi o da palavra, mas o século atual, com certeza, é o da imagem. O próprio Facebook é uma vitrine da vida de cada um. É como se todo mundo precisasse vender a própria imagem. É uma pena, mas não necessariamente é uma mudança sem volta. Acredito que isso tudo já começou a ser repensado.

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