O texto que reproduzo abaixo foi publicado nesta terça no site da Agência Brasil (agência de notícias do governo federal), que permite a reprodução do seu conteúdo desde que citada a autoria e a fonte. A matéria, escrita pela repórter Mariana Tokarnia, traz dados de uma pesquisa que aponta que os professores das escolas públicas leem pouco, boa parte praticamente não lê. Ou seja, não consomem literatura e por isso, também não incentivam seus alunos a ler. A matéria cita como motivos, a questão de falta de infra-estrutura, o déficit de bibliotecas no país, que é alarmante, os baixos salários da categoria. Acredito que todas as razões são justas e de fato interferem. Mas existe um fator aí que transcende a sugestão feita no texto de que a adoção de tablets e livros digitais mude esse quadro. Esse fator é a questão cultural e educacional de gerações inteiras que não adquiriram o hábito da leitura desde a infância e que estudaram em escolas que foram sucateadas nas últimas décadas, em um processo de privatização e hierarquização do ensino. É muito difícil, só com tecnologia, fazer um adulto que nunca leu nada a vida toda, passar a gostar de ler de uma hora para outra, só porque ele tem uma tablet. No mínimo, a tablet vai ser usada para acessar redes sociais ou navegar em sites diversos, mas não necessariamente quer dizer que ter uma tablet vá fazer de alguém um bom leitor. Mais ainda, ter a tablet e a versão digitalizada de um livro, por mais prático que seja carregar toda uma biblioteca em um único dispositivo, não significa que o leitor compreende aquilo que lê. Infelizmente, devido a um ciclo perverso, temos professores com péssima formação intelectual atuando na formação de outras crianças e futuros cidadãos, que só vão repetir o ciclo. De nada adianta encher as escolas de tablets, computadores e smartphones sem reforçar a educação básica, sem qualificar os professores que aí estão e garantir que as novas gerações de fato recebam educação de verdade, sem investir nesse profissional financeiramente, porque o salário é sempre um dos fatores que pesam nas decisões de consumo de alguém, sem criar espaços de leitura acessíveis, sem popularizar o acesso ao livro. Sem mostrar para as pessoas que ter uma boa formação intelectual e educação não é necessário só à ascensão social, mas à nossa humanização; que ler nos torna cidadãos críticos, conscientes e menos propensos a nos deixar manipular. Para boa parte das famílias brasileiras, infelizmente, nas mais variadas classes sociais, dar livros aos filhos não é um hábito, e ler com eles ou contar-lhes histórias não é uma rotina. Duvido que qualquer governo, da esquerda, direita ou centro, queira cidadãos conscientes demais, pois isso afetaria a cadeia exploratória e prejudicaria a concentração do poder sempre nas mesmas mãos, e são sempre as mesmas, só que com bandeiras diferentes. A leitura e o pensamento crítico nos torna poderosos, nos leva a pensar e a questionar o status quo. Mais fácil oferecer vales-cultura de R$ 50,00 do que mexer em toda a estrutura educacional e na base do problema. Me pergunto é se, numa sociedade alienada intelectualmente, e que valoriza o consumo descartável de supérfluos, um vale de R$ 50,00 não será usado para complementar a renda para aquisição de mais quinquilharias e não necessariamente ser usado para consumir cultura… É o que eu penso, mas tirem as próprias conclusões com a leitura da matéria:
Menos da metade dos professores de escolas públicas leem no tempo livre
Mariana Tokarnia, repórter da Agência Brasil
Brasília – Um cabo de vassoura que era capaz de falar e sentir era o protagonista do primeiro livro lido pela então adolescente Denise Pazito. Hoje, professora e pedagoga no Espírito Santo, ela fala da experiência em seu blog. “O livro foi indicado pela escola. Provavelmente, eu estava no 4° ou 5° ano. Ele se chamava Memórias de um Cabo de Vassoura e o seu autor era Orígenes Lessa. Professora inspirada a minha. Acertou na mosca. Uma história encantadora. Me encantou pelo mundo das letras.”
Mas assim como são capazes de encantar, os professores têm em suas mãos o poder de desencantar, não por intenção, às vezes por desconhecimento. Uma pesquisa feita pelo QEdu: Aprendizado em Foco, uma parceria entre a Meritt e a Fundação Lemann., organização sem fins lucrativos voltada para educação, mostra que menos da metade dos professores das escolas públicas brasileiras tem o hábito de ler no tempo livre.
Baseado nas respostas dadas aos questionários socioeconômicos da Prova Brasil 2011, aplicados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), e divulgados em agosto do ano passado, o levantamento do QEdu mostra que dos 225.348 professores que responderam à questão, 101.933 (45%) leem sempre ou quase sempre, 46.748 (21%) o fazem eventualmente e 76.667 (34%), nunca ou quase nunca.
No caso de Denise, a leitura levou essa prática para as salas de aula, no entanto, muitos brasileiros terminam o ensino básico sem ler um livro inteiro. Para além da falta do hábito de leitura, a questão pode estar ligada a infraestrutura.
“O número de professores que não leem é chocante, mas isso pode estar ligado ao acesso. É preciso lembrar que faltam bibliotecas e que um livro é caro. Um professor de educação básica ganha em média 40% menos que um profissional de ensino superior. Acho que faltam políticas de incentivo. Não acredito que seja apenas desinteresse”, diz a diretora executiva do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz.
Um levantamento divulgado em janeiro pelo movimento mostra que o Brasil precisa construir 128 mil bibliotecas escolares em sete anos para cumprir uma lei federal que vigora desde 2010. Segundo a pesquisa, faltam 128 mil bibliotecas no país. Para sanar esse déficit até 2020, deveriam ser erguidos 39 espaços por dia, em unidades de ensino públicas e particulares. Atualmente, a deficiência é maior nas escolas públicas (113.269), o que obrigaria a construção de 34 unidades por dia até 2020.
Para Priscila, uma possível solução seriam os livros digitais. O Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnologia Educacional (ProInfo Integrado) do Ministério da Educação distribui equipamentos tecnológicos nas escolas e oferece conteúdos e recursos multimídia.
Além disso, o governo facilita o acesso aos conteúdos por meio da distribuição de tablets, tanto para professores quanto para estudantes. No ano passado, o MEC transferiu R$ 117 milhões para 24 estados e o Distrito Federal para a compra de 382.317 tablets, destinados inicialmente a professores do ensino médio.
Sobre o acesso digital, os dados do levantamento do QEdu mostram que 68% dos professores (148.910) que responderam à pergunta usam computador em sala de aula. O estado com a maior porcentagem é Mato Grosso do Sul: 95% dos professores disseram que usam o equipamento. O Maranhão é o estado com a menor porcentagem (50,5%) de professores fazem o uso do computador. É lá também onde se constatou a maior porcentagem de escolas onde não há computadores: 38,3%. Estão no Sudeste, no entanto, as maiores porcentagens dos professores que acreditam não ser necessário o uso de computador nas salas: Minas Gerais (16%), Rio de Janeiro (15,4%) e São Paulo (15%).
O responsável pelo estudo, o coordenador de Projetos da Fundação Lemann, Ernesto Martins, diz que o país ainda tem problemas estruturais que dificultam o acesso a tecnologias. “Existem muitos desafios no país ligados a problemas de infraestrutura. Não apenas de acesso às máquinas, mas de acesso à internet, à qualidade dos sinais”, disse.
Ao recepcionar o professor norte-americano, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, ressaltou a importância dos meios digitais: “O conteúdo ao qual o filho dos mais ricos tem acesso pode ser dado aos menos servidos de educação. Queremos tornar a educação não algo escasso, mas um direito humano que todas as pessoas possam ter”, disse.
Pingback: De-me uma pauta que te devolvo uma história | Mar de Histórias
Acho que os 117 milhões de reais usados na compra de tablets poderiam muito bem serem usados para comprar livros, se o problema é o tamanho, é pra isso que existem livros de bolso, muito mais baratos que os de capa dura. E realmente, ter a tecnologia não garante a leitura.