Escrito na primeira metade do século XX, mas tão atual que chega a doer…
“Quando nasceu a geração a que pertenço encontrou o mundo desprovido de apoios para quem tivesse cérebro, e ao mesmo tempo coração. O trabalho destrutivo das gerações anteriores fizera que o mundo, para o qual nascemos, não tivesse segurança que nos dar na ordem religiosa, esteio que nos dar na ordem moral, tranquilidade que nos dar na ordem política. Nascemos já em plena angústia metafísica, em plena angústia moral, em pleno desassossego político. (…) Ébrias de uma coisa incerta, a que chamaram “positividade”, essas gerações criticaram toda a moral, esquadrinharam todas as regras de viver, e, de tal choque de doutrinas, só ficou a certeza de nenhuma, e a dor de não haver certeza. Uma sociedade assim indisciplinada nos seus fundamentos culturais não podia, evidentemente, ser senão vítima, na política, dessa indisciplina; e assim foi que acordámos para um mundo ávido de novidades sociais, e com alegria ia à conquista de uma liberdade que não sabia o que era, de um progresso que nunca definia.
(…)
Na vida de hoje, o mundo só pertence aos estúpidos, aos insensíveis e aos agitados. O direito a viver e triunfar conquista-se hoje quase pelos mesmos processos por que se conquista o internamento num manicómio: a incapacidade de pensar, a amoralidade, e a hiperexcitação.”
(Fernando Pessoa, do Livro do Desassossego. Págs 187 e 188, Companhia das Letras)
*A fonte da imagem é o Retronaut.com