Justa homenagem, mas sem o encanto original
A ideia é interessante e Douglas Adams, que em 2012 faria 60 anos se não tivesse morrido precocemente aos 49, em 2001, bem que merecia a homenagem. Mas a verdade é que, sem querer ser purista, nem toda história pode ter mais de um “pai”. E tem outra coisa…, continuação póstuma da saga O Guia do Mochileiro das Galáxias, embora traga os mesmos personagens do original e mantenha o tom irônico, escrachado e meio nonsense da série, não consegue reeditar o carisma da história concebida por Adams nos anos 70.
Escrito pelo irlandês Eoin Colfer (autor da excelente série juvenil Artemis Fowl), e publicado no Brasil por uma junção das editoras Arqueiro e Record (esta última pelo selo Galera) E tem outra coisa…não surpreende. O objetivo de Colfer – confesso que eu esperava mais de um autor tão bom – pode não ter sido necessariamente surpreender os milhares de fãs da série de Adams, mas apenas prestar um tributo aos imortais personagens criados pelo colega britânico e de quem já confessou ser admirador. Ainda assim, mesmo para um tributo, a história nova, embora traga de volta Arthur Dent, Ford Prefect e cia, não consegue empolgar tanto quanto a sequência de cinco livros escritos por Douglas Adams.

As fotos que ilustram a resenha são do filme O Guia do Mochileiro das Galáxias, inspirado na obra de Adams
Quando o novo livro foi lançado no Brasil (anunciei aqui no blog), fiquei na expectativa porque representava além de um sexto episódio para uma das séries de ficção científica mais divertidas que já li, um desafio interessante conferir como a história de um autor ficaria nas mãos de outro que tem estilo de escrita totalmente diferente e pertence a outra geração. E tem outra coisa… peca justamente por isso. Eoin Colfer, que é um autor magnífico, abriu mão de ser ele mesmo para se dedicar a uma espécie de “sessão mediúnica literária” e tentar incorporar Douglas Adams. Acerta em algumas tiradas bem engraçadas, mas não é a mesma coisa.
Os livros de Adams, por mais que tivessem teorias complexas como física quântica e muita matemática, eram palatáveis e agradáveis aos leitores, mesmo que estes não se enquadrassem necessariamente na definição de nerd. E tem outra coisa…, embora tenha seus bons momentos, tem trechos modorrentos, que se arrastam de uma maneira que flerta perigosamente com o tédio. O aparente caos da narrativa de Adams possuía uma estrutura que até podia dar um nó no cérebro do leitor, mas ainda assim era totalmente verossímil (leia aqui resenha das obras dele). Colfer, infelizmente, em alguns capítulos derrapa para uma falta de sentido frustrante.
O projeto, no entanto, não é um fracasso completo, embora para mim não seja o que se pode batizar de sucesso estrondoso. A pegada não é a do criador da série, mas Colfer é um autor muito talentoso para deixar a coisa naufragar completamente. A seu favor é preciso registrar que ele sabe trabalhar com o sarcasmo, a ironia inteligente e a crítica social de maneira tão competente quanto Douglas Adams. E embora haja um lapso de 20 anos entre a publicação do último livro escrito por Adams para a série e este novo assinado por Colfer, a sociedade – infelizmente – não evoluiu a ponto das críticas de duas décadas atrás terem perdido a sua razão e poder de argumentação. Numa coisa os dois autores concordam totalmente: os seres humanos são lastimáveis e na maioria das vezes, mesquinhos.
Uma sacada boa de Colfer, que ele poderia ter usado desde os capítulos iniciais, foi misturar os personagens do Guia do Mochileiro com os deuses da mitologia nórdica. Quando os Aesir (Odin, Thor e etc), humanizados à moda de Neil Gaiman, entram na história (lá para o meio do livro), a coisa se torna infinitamente mais interessante e engraçada.
È preciso fazer justiça também ao fato de Colfer ter desenvolvido melhor a descrição dos vogons, os alienígenas burocratas que são pagos para destruir planetas, reservando momentos muito interessantes do livro aos dilemas de Constante Mown, um vogon “bonzinho”, e aos diálogos dele com seu pai, o insensível e asqueroso Prostetnic Jeltz, o vogon-chefe na missão de destruir a Terra.
Minhas expectativas como leitora da série completa do Guia e como fã de Artemis Fowl não foram totalmente recompensadas. Esperava bem mais desse “casamento” Adams/Colfer, mas ainda assim, o livro vale um 7,5 honroso pela intenção de relembrar um autor que foi morar nas estrelas antes da hora.
Sinopse da história – E tem outra coisa… começa onde o último livro de Adams (Praticamente Inofensiva) termina. Recaptulando: o livro de Adams acaba com Arthur, Trillian, Ford e Random em um pub esperando a Terra ser vaporizada pelos vogons e às voltas com a tal grande pergunta para a resposta que explicaria a origem da vida, sendo que a resposta é 42! Colfer retoma a cena nesse pub, quando nossos intrépidos heróis são salvos pela Coração de Ouro, a super-nave espacial de Zaphod, primo de Ford. Os vogons porém, não gostam da escapada, porque a ordem deles é bem clara, exterminar a raça humana e portanto, Arthur, Trillian e Random não podem sobreviver. Nesse momento, a Coração de Ouro é salva pela nave de um ET imortal entediado que passa a vida viajando pelo universo insultando outros seres na esperança de que alguém o mate. O ET precisa que Zaphod reencontre um antigo desafeto, ninguém menos que o deus Thor, para acertar umas contas do passado. Enquanto isso, um grupo de terráqueos sobreviventes fundou uma colônia no espaço, o planeta Nano. Daí para a frente os nossos intrépidos anti-heróis se metem em todas as confusões possíveis com os Aesir, os terráqueos de Nano e os vogons… Quem não nunca leu a série de Adams não deve se aventurar no livro de Eoin Colfer, porque as referências prévias são indispensáveis para compreender a história.
Ficha Técnica:
E TEM OUTRA COISA… (Série O Guia Mochileiro das Galáxias)
Autor: Eoin Colfer
Tradução: Alves Calado
Editoras: Arqueiro/Galera-Record
368 páginas / Preço: R$ 29,90
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