Resenha: Roverandom e Mestre Gil de Ham (J.R.R. Tolkien)

Tolkien para ler antes de dormir (como incentivo aos sonhos bons)

Roverandom e Mestre Gil de Ham, duas das obras juvenis de J.R.R. Tolkien, não diferem dos livros mais famosos do autor – O Hobbit, O Senhor dos Anéis e O Silmarillion -, apenas porque nesses dois casos ele deixa de lado a mitologia da Terra Média. A diferença principal está numa mudança de atmosfera, nitidamente mais leve e ensolarada, menos sombria ou dramática. Criadas inicialmente para distrair os filhos do escritor, assim como também O Hobbit (que não deixa de ser o mais leve de todos os livros sobre a Terra Média), as duas histórias revelam um Tolkien mais preocupado em fazer rir e entreter sua pequena plateia doméstica.

Essa familiaridade dos dois livrinhos, que lembram tardes de contação em um gramado verde no jardim, ou mesmo noites diante da lareira, faz com que as obras cativem também os adultos, principalmente aqueles que tiveram a sorte de crescer com contadores de história na família. Roverandom e Mestre Gil de Ham trazem uma nostalgia gostosa de hora do recreio, bolo e chocolate quente.

Roverandom, o mais lúdico dos dois, ressalta esse aconchego de história de ninar ainda mais que Mestre Gil, pois este último guarda uma dose de ironia refinada que nem sempre é tão óbvia para um leitor mais jovem, embora como o próprio autor dizia: nada impede que crianças leiam e gostem. Mas a história do cãozinho transformado em brinquedo, inspirada em um fato doméstico acontecido durante as férias da família Tolkien na praia em 1927, é mais cândida, mais infantil e delicada. Roverandom é essencialmente puro.

O livro conta a história do cãozinho de estimação Rover, que um dia, brincando no jardim de casa, irrita um velho mago em férias e é transformado por este em um brinquedo, indo esbarrar em uma loja de souvenires. Dali, ele é comprado pela mãe de uma família com três crianças. O menino Dois (ou seja, o filho do meio, inspirado em Michael Tolkien) passa a ser o dono do cãozinho de brinquedo, até que o perde na praia. O animalzinho então vive diversas aventuras, em uma longa jornada que inclui visitas à lua e ao fundo do mar, a troca de seu nome temporariamente de Rover para Roverandom (em um jogo de palavras que se eu contar aqui perde a graça), até finalmente voltar para casa.

A jornada de Rover/Roverandom tem um toque de absurdo e até de nonsense que para os adultos soa muito engraçada e desajuizada, enquanto para as crianças, perfeitamente plausível, visto que elas sempre são propensas a deixar a imaginação ditar as regras.

Os três magos que cruzam o caminho do animal de estimação encantado, Artaxerxes, Psamatos e o Homem da Lua, já foram confundidos com um esboço pré-Gandalf. Pessoalmente, acho que os três são aspectos distintos da personalidade do exótico e carismático Tom Bombadill (personagem de O Senhor dos Anéis).

Existe uma peraltice sedutora em Roverandom, que funciona quase como um elixir de rejuvenescimento para quem lê.

Mestre Gil de Ham narra a inusitada aventura do fazendeiro Aegidius, que por pura sorte ou acaso, acaba espantando um gigante de suas terras e ganha fama de bravo entre os moradores da aldeia. Mestre Gil recebe uma carta e uma espada de presente do rei, como agradecimento pelo enorme serviço prestado, e vive sua vidinha pacata, gozando da fama instantânea. Até que surge um dragão dono de um imenso tesouro e de uma fome insaciável. Daí, todos na aldeia, além do próprio rei, esse de olho no tesouro do lagarto, incentivam o “bravo” mestre Gil a lutar contra a terrível criatura.

Esperteza, jogos de astúcia, pessoas de caráter duvidoso e certa dose de intriga política fazem parte da essência de Mestre Gil de Ham, que tem outro tempo de humor, muito menos inocente, mais quixotesco e, como diria Quaderna (personagem de Romance D´A Pedra do Reino, de Suassuna) “mais embandeirado e cavalariano”.

O livro é uma deliciosa sátira, no melhor estilo das cantigas de escárnio medievais. Mestre Gil é uma mistura perfeita de Dom Quixote (nesse caso um cavaleiro não de triste, mas de cômica figura) com Sancho Pança (principalmente pelo caráter bonachão e a circunferência de sua cintura). Como aliados e “escudeiros”, esse fazendeiro alçado a posição de herói tem uma égua cinzenta dotada de admirável senso crítico e um cachorro covarde e contador de vantagem, que sempre some nos momentos de maior perigo.

Os dois livros estão recomendadíssimos para quem ainda não leu e são diversão garantida para crianças dos oito aos 80.

Fichas Técnicas:

Roverandom

Autor: J.R.R. Tolkien

Editora Martins Fontes

127 páginas

R$ 32,00

Mestre Gil de Ham

Autor: J.R.R. Tolkien

Editora Martins Fontes

142 páginas

R$ 37,90

2 pensamentos sobre “Resenha: Roverandom e Mestre Gil de Ham (J.R.R. Tolkien)

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