Filmes de férias 2012: ode ao ato de contar histórias

Dos filmes que assisti nos últimos dias, os três abaixo merecem um comentário tanto pela qualidade e por terem me cativado, quanto pela coincidência de, embora não terem relação alguma de tema um com o outro, celebrarem o ato de contar histórias, seja oralmente ou através de imagens. Os escolhi ao acaso, vi em dias separados, aproveitando as tardes preguiçosas de férias, sem a intenção consciente de traçar um paralelo entre eles. É claro que todos os filmes contam uma história, mas esses chamaram minha atenção por contarem histórias dentro da história. Não vou compará-los entre si, porque seguem estilos diferentes, mas achei interessante, antes de dar a opinião sobre cada um em separado, ressaltar essa grata coincidência.

Na ordem em que foram vistos:

Três vezes amor – É uma simpática comédia romântica, de 2008, dirigida por Adam Brooks. Muito delicado, o filme é protagonizado pela encantadora Abigail Breslin, que rouba a cena no papel da filha de um casal em vias do divórcio. Em um dos finais de semana que vai passar na casa do pai, a garota, que tinha acabado de ter aulas sobre sexualidade na escola, o questiona sobre o próprio nascimento. Ela quer saber se foi fruto de um deslize dos pais ou se foi gerada intencionalmente, de uma relação de amor. O pai da menina então começa a contar-lhe a história de sua vida e de três amores que ele viveu na juventude, propondo que ela adivinhe qual das três namoradas é a sua mãe e qual delas é o grande amor da vida dele. A história das idas e vindas dos três romances vai se desenvolvendo em paralelo a rotina diária de um pai recém separado e uma filha pré-adolescente. Em meio a xícaras de chá antes de dormir e edredons macios, o pai vai passando sua vida afetiva à limpo, tendo a filha como cúmplice e também uma espécie de conselheira sentimental, já que na mistura de inocência com a capacidade de enxergar além do óbvio que as crianças possuem, a garota aponta caminhos e lança luz sobre fatos aos quais o pai não havia dado importância na época em que aconteceram. O pano de fundo do filme é o período que vai desde a campanha eleitoral de Bill Clinton para a presidência dos Estados Unidos, até o escândalo Mônica Lewinski. O pai em questão, publicitário, trabalhava na campanha de Clinton e além disso, era partidário do candidato, chegando mesmo a admirá-lo como uma espécie de herói. O desencanto dos partidários do presidente, entre eles o pai da protagonista, é uma metáfora muito boa para as esperanças e decepções da vida adulta e a capacidade de seguir em frente. Recomendo para quem não assistiu e dou uma nota 9 (4 estrelas do Filmow).

A invenção de Hugo Cabret – A adaptação, de 2011, de Martin Scorcese para o livro juvenil homônimo de Brian Selznick é um filme encantador, triste e ao mesmo tempo esperançoso, com atmosfera mítica e uma celebração a capacidade que as histórias tem de nos fazer sonhar. Está muito além da mera declaração de amor à magia do cinema, não que isso seja pouca coisa, mas é que Scorcese conseguiu dar vida a uma fábula de rara beleza e delicadeza. Ambientado nos anos 30, na França, o filme mistura personagens reais, como o cineasta Georges Méliès, com a história de Hugo Cabret, um órfão que vive na estação de trem de Paris, esgueirando-se por passagens secretas e tomando conta dos gigantescos relógios do lugar. Hugo guarda um robô encontrado por seu pai, antes deste morrer em um incêndio, e também um caderno de anotações e desenhos, onde o pai, um hábil relojoeiro, registrava engrenagens e mecanismos diversos na tentativa de consertar o robô. O menino quer dar continuidade ao trabalho, achando que o robô poderá trazer alguma mensagem do pai morto, mas falta-lhe a peça essencial, uma chave em formato de coração. Por conta do caderno de esboços e da busca pela chave, os caminhos de Hugo se cruzam com o do dono da loja de brinquedos da estação, um velho mágico aposentado, que guarda um incrível segredo do passado. Pela estação transitam ainda outros personagens, como o do livreiro idoso que acha triste livros parados em estantes, a dona do café e seu cachorro, o vigia que tem a perna mecânica e é apaixonado pela tímida florista; além da sonhadora sobrinha do mágico, uma jovem também órfã, que anseia em aventurar-se, inspirada pelos heróis de seus livros favoritos. Costurando várias histórias dentro de uma só, A invenção de Hugo Cabret é uma belíssima homenagem à imaginação humana e a todos que contribuem para dar vida aos sonhos, seja nas páginas de um livro, nos palcos ou em película. Recomendadíssimo e vale 10 (cinco estrelas do Filmow).

O artista – Não fui ver o filme mudo de Michel Hazanavicius na estreia na cinema em fevereiro deste ano, e nem acompanhei o buxixo pré e pós Oscar. Também não entro no mérito se merecia ou não as estatuetas que recebeu ou deixou de receber, deixo os especialistas se engalfinharem. Há muito tempo deixei de ter o Oscar como parâmetro para o que escolho assistir ou não. Mas O artista me seduziu, pronto. E por vários motivos pessoais, que não tem relação com crítica especializada, oba oba de uns ou nariz torcido de outros. Eu me encantei com o filme porque ele é ambientado nos anos 20, a década em que a minha alma nasceu sem dúvida nenhuma; porque ele é em preto e branco, o que me deu uma saudade gigantesca das manhãs de domingo da infância, vendo Chaplin e Os Três Patetas na TV; e porque é mudo e eu sou completamente apaixonada por cinema mudo e por filmes antigos, principalmente esses que vão dos anos 20 aos 40. Também sou amante de comédias-dramáticas-românticas e O artista tem um pouco disso tudo. Trata-se de uma historinha de amor singela de um homem e uma mulher e seus desencontros anos a fio, até o final feliz; de um ator pela sua profissão; das plateias pelo cinema; dos fãs pelos astros da velha Hollywood de um glamour  e um encanto mágicos que não voltam mais, não tem 3D que dê jeito! E, se não bastassem todos esses motivos (boa parte deles passionais, admito. Mas o que seria da vida sem paixão?), O artista ainda tem o cão Uggy, um mascote que dá vontade de trazer para casa e que me lembrou Rex, o cachorro da minha adolescência, na época em que eu era feliz morando em casas com quintal. O filme contra a história de George Valentim, astro do cinema mudo com uma carinha sedutora de canastrão de antigamente, e Peppy Miller, uma jovem dançarina que sonha com a ribalta. Os dois se encontram bem no meio da encruzilhada entre o fim do cinema mudo e o advento dos filmes falados. Valentim, revoltado com a nova tecnologia, não se adapta tão facilmente e cai no ostracismo; enquanto a jovem Peppe, empolgada pelos ventos da mudança, ponga no bonde da história e se transforma na nova musa das telas. No meio dos dois, há o fofo Uggy, espécie de anjo da guarda de quatro patas de Valentim, e o fiel motorista Clifton; além do diretor do estúdio onde Valentim filmava, o estereótipo que simboliza, para os mais românticos, o fim do cinema de fantasia, feito de forma quase mambembe, e a era da produção cinematográfica industrial e profissionalizada, que descambou, em certa medida, nesse cinemão consumido sem amor pelas plateias atuais. O artista é um filme bem nostálgico sim, mas a nostalgia é boa matéria-prima para histórias que merecem ser vistas. Dei 9,5 para esse, o que corresponde a 4,5 estrelas do Filmow.

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