Resenha: O Físico (Noah Gordon)

A grande aventura da origem da medicina

Os elementos estão todos costurados com maestria: muito romance, sensualidade, aventura, fatos históricos, o cenário da Idade Média e das Cruzadas; além do fascínio ocidental pelos mistérios do oriente. Só a citação dessa lista já faria de O Físico um livro imperdível para quem aprecia ao menos alguns dos ingredientes descritos acima. Mas Noah Gordon, não satisfeito em reunir tantos ícones do imaginário literário em um único livro, ainda é um bom contador de histórias. Uma verdadeira encarnação masculina de Sherazadi. As quase 600 páginas do livro avançam quase que de um só fôlego e o leitor fica querendo mais.

Para quem não conhece ou nunca teve coragem de ler com medo do tamanho do romance, já que a obra foi lançada em 1996 e está na 14ª edição no Brasil, O Físico conta a história de Rob Cole, um órfão inglês que, após a morte dos pais, termina como uma mistura de filho adotivo e empregado/assistente de um barbeiro cirurgião beberrão e com ares de saltimbanco na Europa do século XI, obscura, supersticiosa e com o braço repressor da igreja baixando – e mandando para o cadafalso – qualquer suspeito de bruxaria. Rob, que traz uma espécie de dom místico para curar e deseja vencer a morte e a doença que dizimaram sua família; depois de adulto, ouve falar do mítico Avicena e de uma fabulosa escola de medicina na Pérsia, para onde ele viaja, assumindo a identidade falsa de um estudante judeu… Daí para frente, vocês mesmos leem, senão perde a graça.

A pretensão de Gordon não é contar em termos precisos e didáticos a história da origem da medicina, mas narrar a grande aventura que era ser médico numa época em que enquanto o Oriente era vanguardista e concentrava além de grande riqueza material, uma ainda maior intelectual; o Ocidente afundava em reinados sangrentos e corruptos e nos medos impostos por um cristianismo amargo e inquisidor que impedia acima de tudo o avanço da ciência que coloca a existência de Deus em xeque. A partir da saga do jovem Rob, o autor romanceia o que deve ter sido a realidade de muitos homens – e mulheres – de carne e osso naqueles tempos árduos. Havia um conflito profundo entre ciência e fé, como ainda hoje existe. E todos os lados da questão são abordados com grande propriedade e leveza pelo escritor.

Usando figuras reais que se tornaram mito, como o próprio Avicena, Noah Gordon tenta desvestir-se de um possível olhar maniqueísta ocidental e europeu para traçar um panorama da riqueza cultural e social tanto do Islã, quanto do Cristianismo e do Judaísmo medieval e mostrar onde estariam as origens não só do eterno conflito entre cristãos, judeus e muçulmanos, mas das idiossincrasias daquelas que são consideradas as três maiores religiões da humanidade.

Sem defender ou demonizar nenhum dos três credos e sem deixar de apontar as origens históricas para cada um dos bens  – e dos males – que deles resultam, ele transfere para o olhar estrangeiro de Rob Cole a mistura típica de fascínio e repulsa que acomete qualquer pessoa que é tirada de uma cultura e um modo de pensar e confrontada com outra.

No meio disso tudo e para não cansar o leitor, o autor tempera todas as questões filosóficas e dados históricos levantados pelo seu romance épico, com descrições generosas e perfeitas de cenários que vão do susto ao encanto, no compasso do trote dos cavalos e dos exóticos camelos. As cores e os cheiros do mundo conhecido naquela época e os temores pelo desconhecido impregnam quem se aventura junto com Rob pela sua jornada.

Que a Idade Média é o tempo histórico mais presente no imaginário coletivo não é novidade, basta lembrar-se da quantidade enorme de romances e filmes que abordam diversos aspectos do período, desde o amor cortês de Romeu e Julieta, até as lendas da Távola Redonda, passando por toda a mítica de fadas, magos e atos heróicos de cavaleiros de armadura.

Sem abrir mão de uma pitada sutil de sobrenatural (a espantosa capacidade de Rob Cole de curar ou prever a morte), e sem deixar também de citar cenas empolgantes de batalhas dos exímios cavaleiros árabes, Noah Gordon nos oferece outra perspectiva da Idade Média, aquela que debruça-se sobre o fervilhante caldeirão cultural e filosófico de um tempo em que os homens viviam a dúvida de obedecer a um Deus invisível e cheio de regras, preconceitos e preceitos (seja esse cristão, muçulmano ou judeu) ou obedecer a própria inclinação natural à curiosidade que leva à evolução.

Tanto para quem é fascinado por história, principalmente a medieval, quanto para quem é fã de carteirinha de um bom romance de aventura, O Físico é leitura mais que recomendada.

Ficha Técnica:

O Físico

Autor: Noah Gordon

Tradutor: Aulyde Soares Rodrigues

Editora: Rocco

596 páginas

R$ 69,50

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53 pensamentos sobre “Resenha: O Físico (Noah Gordon)

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  3. O Físico é um dos melhores livros que já li, sua resenha é perfeita, o livro é isso tudo e muito mais.

  4. Uau! Que resenha! À altura do livro. Terminei de ler ontem e, já com saudades, procurei algumas críticas… a tua me fez saborear um pouco mais a história. Agora vou à procura dos outros livros do autor. Abraços!

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  6. Olá Andreia tudo bem? Gostaria de parabeniza-la duas vezes, a primeira pela ótima resenha, como muitos aqui já ressaltaram, feita com maestria, onde nos empolga e cativa e a segunda por citar o nome do Tradutor do livro Aulyde Soares Rodrigues (poucos falam deles), afinal se a obra é de boa, fluída e prazerosa leitura, não podemos nos esquecer que teve alguém por trás disso, pois ao contrário ao que muitos pensam Noah Gordon não escreveu a trama diretamente em Português! Forte abraço!

  7. Sua resenha foi primorosa.Parabéns.Assisti o filme e fiquei encantado,agora vou comprar o livro,pois já li O Ultimo Judeu e foi fantástico. Abração,Arilton

      • Só um pouco?? Vi ontem. Apareceu no netflix e cai na tentação.
        Eu nunca esperei que fosse fiel ao livro mas achei que mudou demais! Vou tentar expressar minha “raiva” sem passar spoiler para nenhum dos dois!!!
        Entendo que precisem concentrar fatos em menos personagens, mudar a peste de cidade, etc. mas a viajem é por outro caminho, a namorada é outra com outra historia, a última cena com Ibn Sina não condiz com as biografias que li na internet (a do livro, sim), e, o que achei pior, a mensagem é outra: ao mostrar mais a presença dos mullas na historia e mudar o final na inglaterra, passa impressão de árabes maus, ingleses bons que o livro nunca teve intenção de dar!
        Acho que vou ler de novo!!!
        Bjs
        anaC

  8. Amei a resenha, muito clara e completa! Acabei de ler e vim na internet por mais! Quero ver os caminhos num mapa!
    O que me impressionou, ao longo do livro, foi a profusão de cores, sabores, cheiros. As receitas do Barber são fantásticas, as comidas durante a viagem, o banquete do Xá. O som dos sinos dos camelos que ele diz que lembram anjos, as canções dos judeus, colegas de viagem para levantar o astral no deserto, di di di. As cores, desde as bolas de malabarista até os sapatos do Xá quando salva ele do tigre, França é menos verde que Inglaterra mas o céu é mais azul… Os cheiros, perfumes, os cheiros no hospital (que Ibn Sina dizia não haver cheiro ruim, mas cheiro que da alguma informação). Li em inglês e havia mutas palavras que não conhecia mas provavelmente também não as conheceria em portugues, palavras específicas para algum tipo de cavalo, plantas, flores, pássaros.
    Havia pensado em procurar o filme mas agora que vi o trailer e li as criticas, fugirei dele!!!
    Abraços,

    • Noah escreveu Xamã, que conta a saga da família Cole, 800 depois durante a guerra civil americana. Parece impossível mas o segundo livro é tão bom quanto o primeiro. ainda há o terceiro, a A difícil escolha da doutora Cole.

      • Eu li The Physician e busco ler a sequência, que termina com Dra. Cole. Visitante, você acabou ainda mais a minha vontade de ler Xamã.

  9. Pingback: A tradução do título "The Physician" por "O Físico" é correta?

  10. Sou apaixonada pelo O Físico. Já li umas vezes. Li tbm todos os outros livros do autor. Pena não ter escrito mais. Ontem vi o filme o físico. Como em geral acontece, deixou muito a desejar. Achei que faz o Rob cole parecer um bolo que tem a sorte de ter o dom. No livro, ele é muito mais profundo, sempre em busca do conhecimento. Uma pena. Mas me deu vontade de ler o livro mais uma vez, talvez até pra apagar a impressão que o livro deixou, de mais uma aventura meio boba.

    • Já havia lido o livro e qdo soube que teria o filme, fiz questão de reler….mais uma vez o livro supera o filme, porque eles fazem isso com a gente?
      Misturaram as histórias….uma confusão só.
      Esperava muito mais, se fosse mais fiel ao livro o filme com certeza seria grandiosíssimo!!!

      • Oi Alessandra,

        Realmente, adaptações cinematográficas para livros queridos é sempre um problema. Raros diretores conseguem sintetizar em um filme de duas horas o conteúdo de um livro como O Físico. No entanto, eu sempre penso que os filmes, embora resumidos e muitas vezes por concessão à linguagem cinematográfica nem sempre literais, são uma boa forma de incentivar quem ainda não conhece a história original, a buscar o romance. Servem para incentivar as pessoas a ler :)

        abraços e obrigada por comentar no blog!

      • Mania de diretor querer superar o autor. Até gostei do filme, mas há adaptações que são realmente difícil de engolir como a do livro Pergunte ao Pó de John Fante. Há porém, outras adaptações que me surpreenderam como na do livro No Bunker de Hitler que é fidedigna à obra e Perfume de Patrick Suskind, onde o diretor inseriu um pequeno detalhe no filme que fez a história ter mais sentido, além de ter ignorado trechos do livro que realmente não eram relevantes.

  11. Eu li o físico assim que foi lançado e me apaixonei. Sou um leitor com “L” maiúsculo, e desde que o li foi amor a primeira vista! De todos os livros que lidos por mim, este com certeza é o que mais marcou minhas memória! Quando se lê “O físico”, agente esquece que é ficção de tão bem escrito. Impossível não querer ler de uma vez só!

  12. A rsenha é maravilhosa. Super bem feita. Conseguiu traduzir todo o encantamento do livro. Parabéns. Já compartilhei no meu face.

    • Xamã trata da continuidade da família cole, portanto o ideal seria ter lido O Físico primeiro. Mas corra, não perca este livro.

      • Eu li o físico, Willian. A resenha é sobre O Físico, ainda não li foi O Xamã. Mas sei que é a continuação da história da família Cole. Pretendo ler.

        abs,

  13. Li e reli o Físico, li O Xamã, Li e reli o Último Judeu… Li todos os livros conhecidos de Noah Gordon. Fantásticos!

  14. Li o Físico e fiquei apaixonada à cinco anos atrás li e me encantei e agora li novamente e já estou com gostinho de quero +. Agora irei ler Xamã espero

    • Roberta, “Xamã” é outra obra impressionante. Sensível, emocionante, trata de temas poderosos e impactantes com a delicadeza e a verdade de Noah Gordon. Tenho certeza que gostarás bastante.

  15. O FÍSICO está sendo filmado….
    LINK:
    http://www.entrecactoos.com.br/cinema/o-fisico-famoso-livro-de-noah-gordon-tera-ben-kingsley-no-elenco/

    “Adaptação cinematográfica do best seller O Físico (The Physician), de Noah Gordon terá Ben Kingsley (A Invenção de Hugo Cabret) interpretando Ibn Sina, o “médico dos médicos”.
    A história se passa na Idade Média e mostra a vida de Rob Cole, interpretado por Tom Payne (Luck), em médico que busca explicações científicas para doenças em um mundo dominado pela religião.
    Stellan Skarsgard (Os Vingadores) completa o elenco vivendo o Barbeiro, mentor do protagonista.
    Com direção de Phillip Stoelzl, roteiro de Jan Berger.
    As filmagens devem começar em Junho e o lançamento do filme ainda não foi divulgado.”

  16. “Xamã” é tão bom quanto ” O Físico”. O último da trilogia, “A Escolha da Drª Cole”, é que fica devendo.

    • eu já li e é muito bom mesmo vale a pena pq. a história é fantástica e o livro te ‘agarra” até a última página

  17. Oi Andreia! Estou lendo o livro e estou gostando muito, queria terminar de ler, porém preciso fazer uma prova sobre ele esta semana e não vou conseguir terminar! :\ Vc não poderia me contar um pouco a história só para eu não fazer a prova muito perdida? Ou se vc tiver um resumo me manda por e-mail, por favor! Estou precisando muito!! Eu procurei resumos na internet, mas são muito incompletos…
    Desde já agradeço a atenção!! Beijos

    • Oi Alice, infelizmente não vou poder te ajudar com a sua prova. O que eu teria para dizer sobre o romance é o que está escrito na resenha acima. Não tenho um resumo do livro, pois o li por diversão e não para alguma pesquisa acadêmica ou prova escolar. Recomendo que você avance na leitura o máximo que der antes da sua prova e que troque ideias com os seus demais colegas de classe. Abs e boa sorte!

    • Li este livro há um tempo, mas recomendo sempre a quem gosta de uma boa leitura. Para mim foi um dos livros mais marcantes. Embora lançado há tanto tempo tem muita gente que não o conhece. Hoje mesmo vou comprá-lo e presentear um amigo.

  18. As continuações são Xamã (passado no Velho Oeste) e A Escolha da Dra. Cole (século 20). Na verdade, Rob Cole dá origem a uma linhagem que atravessa os séculos. Mas O Físico é sempre superior, seja pela reconstituição histórica, seja pelo próprio ritmo da narrativa; é um dos meus livros favoritos. Não li O Último Judeu; vou colocá-lo na fila… Abraço

  19. Andréia, é sem dúvida um grande livro, cujas continuações nem de longe se aproximam deste primeiro. E a história de um cristão que tem que se passar por judeu para estudar no mundo árabe é bem curiosa… Achei interessante também as etapas do treinamento de malabarismo de Rob. Grande post. Abraço, Fábio.

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