(Im)paciente Crônica: Quem tem medo de careta?…ou, não me falem do Carnaval

No plantão da sexta-feira de Carnaval, um colega me perguntou: “Andreia, você gosta de Carnaval?” Respondi contando a historinha do meu trauma de infância. Tinha três anos, me vestiram com um biquine que – embora não dê para ver na foto em p&b aí ao lado -, era cor de vinho, lembro-me nitidamente, embora só tivesse três anos. Mas como – perguntaria alguém logo de saída -, você se lembra do que aconteceu quando tinha três anos?! Sempre tive memória boa para guardar fatos e rostos (não virei jornalista à toa), e preservo lembranças de fases bem remotas da infância.

Continuando…tinha três anos, me vestiram com o biquine cor de vinho, uma faixa na testa e um saiote. Estava descalça, chovia, fazia frio e eu assim, semi-vestida. Minhas tias, usando mortalhas coloridas de chita, me levaram para o Esporte Clube Periperi, no subúrbio ferroviário de Salvador, onde eu morava. No caminho para o clube, apareceu um grupo de mascarados dos Pierrots de Plataforma (outro bairro do subúrbio e nome de um grupo de fantasiados que desfila no Carnaval de Salvador) e eu fiquei apavorada.

Grande parte do medo se devia aos processos educativos aplicados na minha geração. Tias e avós, quando queriam fazer criança peralta ficar quieta naquele tempo, ameaçavam: “Se você não se comportar, a careta vem e te pega!” Havia ainda a variação mais sádica: “Vou chamar a careta para te pegar!” Não podia ver uma careta que entrava em choque. E era uma grande injustiça, porque fui uma criança absurdamente bem comportada.

Já abalada pela visão dos pierrots, chegamos ao clube. Aquela multidão no salão me assustou ainda mais. Ficava agarrada nas barras das mortalhas das minhas tias, que eram todas novinhas, queriam mais era pular o Carnaval. E lógico, no meio da muvuca, eu mal alcançando as pernas das tias, que dirá identificar rostos cheios de purpurina, por uma fração de segundos que para uma criança pareceram séculos, me perdi. Mais choro. Choro convulso, lágrimas sentidas, peito arfante (tinha crises de asma históricas na infância)…

Me acharam, que afinal as tias era jovens, mas responsáveis. O consolo pela choradeira porém, também seguia a pedagogia da época. Alguma coisa na linha “engula o choro” e “vai ficar feia, de cara inchada, de tanto chorar”. Muito educativo! Para a autoestima então, um santo remédio. O resultado é que nunca consegui dissociar o Carnaval dessa primeira experiência.

E até hoje, 34 anos depois da minha estreia precoce como foliã, a festa me causa muita angústia e desconforto. Fico pensando nas criancinhas dessa faixa etária, até mais novas, que são levadas para as ruas, debaixo de chuva ou sol de lascar, só para suprir o desejo de folia dos pais. Sinceramente, acredito que Carnaval tem de ser uma busca pessoal e espontânea, de preferência depois que se tem idade suficiente para fazer escolhas.

Não gosto da aura momesca, inclusive, até falei dessa energia pesada de Carnaval nesse post, do ano passado (quando ilustrei com a mesmíssima foto).

Lamento pela minha cativa audiência sempre ávida por novidades e pelos artigos que vez por outra deságuo por aqui, mas o Mar de Histórias fica enfadonho durante o Carnaval…

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4 pensamentos sobre “(Im)paciente Crônica: Quem tem medo de careta?…ou, não me falem do Carnaval

  1. Pôxa, Deia, concordo. Precisamos ter compaixão com os pequenos. Basta olhar os rostinhos assustados de dezenas deles, com aquela tensão congelante que muitos costumam confundir com sorrisos, “montados” nos ombros de pais que atravessam histéricos de um lado a outro da Avenida, ou puxados pelos braços das mães “atrasadas” que não querem perder passagens alucinadas (e aluncinantes) de trios. Crueldade ainda maior, considero, é colocar os pequenos dentro das cordas dos “trios infantis” (triste antítese), debaixo de sol, muita espuma no olho e barulho ensurdecedor. Acredito, sim, que Carnaval pode ser muito bacana e divertido para criança, desde que a gente vá para a rua por elas, e não com elas, escolhendo delicadamente atrações que são bacanas, lugares que são mais vazios, músicas que são audíveis (no volume e no conteúdo), horários possíveis e a gostosa companhia de amigos. Pode ser uma delícia, mas , sempre que isso for feito para “suprir o desejo de folia dos pais” que sem ter com quem deixar levam os pequenos para rua… não vai dar certo.

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