Resenha: Série Percy Jackson e os olimpianos

O que acontece quando o Olimpo se muda para o Empire States…

A primeira bronca que o leitor mais clássico pode ter com a série Percy Jackson e os olimpianos, do norte-americano Rick Riordan, é a mudança do Monte Olimpo, a morada dos deuses, da Grécia antiga para o Empire States, no coração de Nova York – EUA. Mas a cara amarrada se desfaz em poucas páginas. Primeiro porque a explicação do autor para a licença poética e geográfica é bastante lógica. E, em segundo lugar, porque a série é bem construída e verossímil em todos os outros aspectos da mitologia grega.  Sem contar que as histórias são criativas e muito divertidas. É bom entretenimento juvenil e é um pouco mais que diversão.

Rick Riordan dá uma roupagem contemporânea e recheada de ícones da cultura pop para os deuses do Olimpo e transforma os semideuses dramáticos e sofridos das lendas de antigamente em um bando de garotos e garotas em idade escolar, às voltas com super-poderes e questões da adolescência como primeiros amores e relacionamentos difíceis com os pais imortais (de certa forma, até uma certa idade, todos os pais parecem imortais aos olhos dos seus filhos, até que eles descobrem que pais também falham). A mistura, que a primeira vista parece que não dará boa liga, revela-se acertada e vai além de “fazer a garotada de hoje em dia se interessar pela mitologia clássica”.

Há quem encontre semelhanças no argumento da série Percy Jackson com a saga de Harry Potter. Mas no caso de Harry Potter, há também quem encontre semelhanças do argumento usado por J.K.Rowling com uma história de Neil Gaiman, que por sua vez, bebe em diversas fontes (C.S.Lewis, Tolkien, a mitologia caribenha que tem raízes fincadas na África, etc). Certo está é o Salman Rushdie, que diz que todas as histórias são sempre a mesma grande história da humanidade, recontada infinitas vezes, por povos diferentes. Faz sentido. Afinal, a origem humana é uma só. Um conselho: é possível gostar de Percy e continuar gostando de HP, de Gaiman, de Tolkien, de Lewis, da mitologia caribenha...

A série ajuda, com certeza, nesse resgate do conhecimento sobre a herança helênica, mas a proposta é mais ambiciosa: Riordan primeiro reverencia as bases da cultura ocidental, apresentando-a com todas as suas idiossincrasias e depois desconstrói essa mesma cultura aparentemente maniqueísta e focada em mocinhos e vilões. Ele abre mão do binarismo e enxerga para além da dualidade de deuses e humanos serem ao mesmo tempo luz e trevas. O autor descortina as sombras e suas inúmeras camadas que demonstram que tanto deuses quanto homens são plurais e multifacetados.

Dizer que os atentados de 11 de setembro não surtiram efeito na história é esquecer o impacto que o ataque terrorista causou na confiança básica dos norte-americanos. Mas Riordan avança e abdica das teorias da conspiração para mostrar mais que uma sociedade paranóica que reedita a caça às bruxas. Ele nos apresenta um povo que lentamente acorda e deixa de olhar o próprio umbigo, para questionar as bases da própria sociedade em que está inserido. Só que, ao invés de um tratado, conta uma fábula em linguagem juvenil, fresca e irônica.

O inferno reabilitado – Nada mais emblemático para mostrar como Riordan vai além do óbvio em sua aventura de cinco livros aparentemente despretensiosos do que a reabilitação de Hades (o deus) e do hades (o Mundo Inferior, ou inferno se preferirem). Para os gregos, céu e inferno eram os dois lados da mesma moeda, complementares e necessários. No céu viviam os deuses, no mundo inferior os que deixaram essa vida e no meio do caminho, os humanos e seus conflitos. O hades estava dividido em campos de punição, campos elísios e campos de asfodelos, o que dá uma ideia simplista de ser o ínferno, o céu e o purgatório. Vai demorar explicar tudo isso em uma resenha, mas sem trocadilho, o buraco é mais embaixo e nas fronteiras dos três campos do inferno existem mundos inteiros a serem descobertos.

A ideia de paraíso para os bons e inferno para os maus só surge assim tão por A mais B com o cristianismo. E é daí também que nascem o preconceito e a divisão do mundo em nós e eles, mocinhos e vilões, loosers e winners (só para ficar nas referências máximas da cultura norte-americana). Riordan, dando uma de filósofo, mostra que a coitada da tradição grego-romana não tem culpa de ter sido mal-interpretada, mal-incorpoda e re-adaptada  de forma conveniente pela tradição cristã medieval, que no fim das contas, é o que está por trás desse mundo binário em eterna oposição.

Aula de mitologia sem tédio – Mas, deixando o papo cabeça de lado e retomando os aspectos da série, os cinco livros de Percy Jackson, ao contrário de algumas sagas por aí, que com o tempo viram mera encheção de lingüiça, tem fôlego para levar o leitor adiante, livro após livro, com o mesmo grau de interesse e com a diversão garantida desde o primeiro volume. Riordan escreve bem, claro e simples, o que torna a leitura rápida, mas nem por isso descartável. O autor não enfeita e nem coloca penduricalhos desnecessários no texto. Fala a língua do leitor de agora e se comunica bem com essa geração. Em resumo, o cara é um cativante contador de histórias.

Como adendo, ainda tem a aula de mitologia gratuita e bem mais esclarecedora do que decorar verbetes e passagens espinhosas do livro escolar. A criatividade de Riordan é tamanha que nem “os restos de escrita” parecem simples caça-níqueis. Lógico que existe uma demanda de fãs a atender, mas Os arquivos do semideus, uma espécie de manual para os aprendizes de herói, lançado logo após os cinco livros da série principal, na verdade reúne contos de novas aventuras de Percy Jackson e seus amigos, que complementam esse universo criado pelo escritor. É como se a cabecinha de Riordan não conseguisse parar de pensar em situações engraçadas para meter o personagem. Ele gosta de Percy, se diverte com ele, e assim, faz o leitor gostar também e querer mais. Vale a pena ler os arquivos, para fechar o pacote com chave de ouro.

Sinopse da série para não iniciados – A saga Percy Jackson e os olimpianos é dividida em cinco livros e em cada um deles conta-se as aventuras vividas pelo meio-sangue (mestiço) Percy (Perseu), filho de Posseidon, o deus do mar, com uma garota norte-americana comum. Percy é criado só pela mãe, com quem mantém uma relação de enorme cumplicidade, até que na adolescência, descobre sua condição de semideus e é enviado ao Acampamento Meio-Sangue, dirigido pelo Senhor D. (Dionísio) para treinar suas habilidades de herói. Lá, ele conhece outros semi-deuses, filhos das 12 principais entidades do Olimpo e, com o instrutor Quíron, um centauro, e diversos outros mestres e amigos como sátiros e dríades, inicia uma jornada que envolve momentos de autoconhecimento e outros de pura aventura, típicos das viagens dos argonautas. O desafio de Percy é evitar uma iminente batalha entre os três grandes deuses: Posseidon, Zeus e Hades, que envolvidos nas tramas do titã Chronos, pai dos deuses, poderá destruir o mundo. O tempo é curto e o garoto precisa cumprir centenas de tarefas tão pesadas quanto àquelas de Hércules para derrotar Chronus e salvar a humanidade.

Ficha Técnica da Série:
>>Percy Jackson e o ladrão de raios
Autor: Rick Riordan
Tradução: Ricardo Gouveia
Editora: Intrínseca
387 páginas
R$ 29,90 no Submarino

>>Percy Jackson e o mar de monstros
Autor: Rick Riordan
Tradução: Ricardo Gouveia
Editora: Intrínseca
286 páginas
R$ 29,90 no Submarino

>>Percy Jackson e a maldição do titã
Autor: Rick Riordan
Tradução: Ricardo Gouveia
Editora: Intrínseca
316 páginas
R$ 29,90 no Submarino

>>Percy Jackson e a batalha do labirinto
Autor: Rick Riordan
Tradução: Ricardo Gouveia
Editora: Intrínseca
367 páginas
R$ 29,90 no Submarino

>>Percy Jackson e o último olimpiano
Autor: Rick Riordan
Tradução: Ricardo Gouveia
Editora: Intrínseca
383 páginas
R$ 29,90 no Submarino

>>Percy Jackson: os arquivos do semideus
Autor: Rick Riordan
Tradução: Ricardo Gouveia
Editora: Intrínseca
167 páginas
R$ 14,90 no Submarino

12 pensamentos sobre “Resenha: Série Percy Jackson e os olimpianos

  1. Pingback: Resenha: Trilogia As crônicas dos Kane | Mar de Histórias

  2. Antes de mais nada gostaria de parabenizar o autor e gostaria de tirar uma duvida.
    Quero comprar o box para meu filho de 8 anos, mas tenho medo da linguagem usada internamente no texto, seria recomendável ?
    agradeço desde já.

    • Oi Ingrid,
      Rick Riordan escreve de maneira muito simples e compreensível, consegue agradar faixas etárias variadas. O livro não utiliza linguagem imprópria, até porque os personagens no primeiro volume da série são crianças de 11 anos. Há descrições de batalhas entre deuses e monstros e entre humanos e deuses, a história é toda focada na mitologia grega clássica. A série Percy Jackson lembra muito a série Harry Potter em termos de estrutura da história (uma criança com talentos especiais que precisa cumprir uma jornada heroica) e faixa etária dos públicos a que se destina. Acredito que para um menino de 8 anos, o recomendado seja uma leitura acompanhada, com um dos pais ajudando, para contextualizar as informações sobre história e mitologia e auxiliar com os significados das palavras que a criança não conhece. Tudo também depende do grau de maturidade do seu filho e da forma como você o educa, a que coisas você permite que ele tenha acesso, qual é o repertório cultural dele, etc. Se você for ler a história com ele, espero que goste. E obrigada pelo elogio ao blog, faço com muito zelo e cuidado. Abraços!

  3. *Oi Andréia , são cinco ou seis livros que constituem essa série ?!
    *Os livros citados acima estão na ordem crescente ?!
    *Desde já , te agradeço pelas informações !
    *Quero colocar estes livros na minha Lista de Desejos da Livraria Saraiva !
    *Leio livros digitais.Estou preferindo os e-books.

    • Oi Edméia,
      São cinco livros da série, mais um extra que é o manual dos semideuses. As fichas técnicas estão em ordem, na sequência do 1 ao 6. Creio que Amazon deve ter os e-books. Espero que goste da série, eu me diverti muito. Abraços

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