Grinch! Grita logo algum engraçadinho quando a pessoa cai na besteira de dizer que não está na vibe do espírito natalino. Caí na besteira e digo: não estou. Mas, tampouco, me considero um grinch. Meu trauma com o Natal é recente – até porque, minhas lembranças natalinas da infância são boas de recordar -. Então, ainda não deu tempo de virar um grinch graduado, talvez aprendiz de grinch. E a idade ajuda. Tendemos à impaciência com o passar dos anos. Ainda assim, é trauma maior porque morar em Salvador, durante o Natal, é masoquismo. Bingo! Minha bronca não é com o Natal, mas com a cidade. Que nada! Com a cidade eu tenho bronca o ano todo, por motivos diversos. E quer prova maior de que realmente amo – e me importo – com a minha cidade do que reclamar das coisas que andam erradas nela?
Mas é que morar em Salvador durante o Natal e circular nas imediações do Shopping Iguatemi e do Salvador Shopping (e eu tenho uma sorte danada de trabalhar no meio-termo entre os dois), é masoquismo. Tem de ser masoquista, aliás, sádica também, para enfrentar o trânsito da capital nessa época do ano (o de carros e o de pessoas e o de buzus). Um grinch sadomasô, ui!
Vi uma foto no jornal essa semana: engarrafamento humano na passarela que faz a ligação entre o Shopping Iguatemi, a estação de transbordo e a rodoviária da cidade. Sucursal do inferno perde, com o perdão do lugar-comum e da evocação “das profundas” em época do ano tão celeste. Infelizmente, o exercício diário da profissão e os anos cobrindo enchentes e desabamentos na Geralzona me fazem ter calafrios ao imaginar os transeuntes chovendo passarela abaixo, estatelando-se no capô dos carros. “Deus guarde os inocentes”, como disse uma “tia” outro dia no buzu. Acrescento: que ele também seja camarada e nesses dias natalinos, guarde os nem tão inocentes e até mesmo os culpados. Ninguém merece despencar de uma passarela em voo de Ícaro.
Nem me arrisco a chegar perto da dita passarela. Embora já tenha driblado a Ceifadora um bom par de vezes, a ponto de ser chamada de fênix, sabe-se lá quando a sorte de uma pessoa resolve mudar de direção e funcionar ao contrário. Evito também, o máximo possível, shoppear nessa época do ano. Não lido bem com multidões, passo mal com o calor e não gosto de comprar na base da compulsão esquizofrênica. E aí a gente chega no segundo motivo (talvez o primeiro de todos) que me faz praticamente grinchar o Natal: consumo (ismo). Consumir, todo mundo consome. Até a mais natureba das pessoas vai precisar ao menos fazer um tanga de folha de parreira e comer um cacho de uvas. Mas o consumo do Natal é autofágico e canibal. O ritual me impressiona pela bizarrice da coisa.
E é por causa do consumo natalino desenfreado que a passarela engarrafa, que o trânsito trava (duas horas dentro de um ônibus para chegar ao trabalho que fica a dez minutos da sua casa não é coisa de Deus), que a cidade parece ainda mais suja e mais triste. Sim, porque Salvador coitada, tá igual a um órfão de Dickens, uma Oliver Twist sem nenhum milionário bonzinho para adotá-la.
E a tal depressão de fim de ano, percebo aqui com meus botões telepáticos, se alastra sobre a capital. Nuvem cinzenta engrossada pelo mormaço dessa época do ano. E quem diz que Salvador tem bom clima carece do sentido do tato. O clima da cidade é tão esquizofrênico quanto os consumidores compulsivos nos shoppings. Mormaço, sol de lascar, calor do cão, uma aragem de vez em quando (cada vez mais rara). Quanto mais concreto, menos oxigênio. E eu sei do que estou reclamando, sou uma quase grinch asmática!
Olho o semblante das pessoas e onde deveria existir aquele sorriso de comercial de margarina, vejo cansaço e ansiedade. Sacolas firmes nas mãos, bolsa agarrada embaixo do braço (porque os assaltantes querem recolher a parcela deles no 13º), bochechas flácidas, olhos que dançam de um lado a outro da rua (reflexo de olhar vitrines para lá e para cá, e enxergar a oferta #baphonica antes de qualquer outro consumidor. Fica todo mundo parecendo espectador de partida de tênis). Você vê a criatura ali cheia de pacotes e nenhum brilho no olhar, só um tédio resignado. Chegar no amigo secreto ou na festinha da família sem o presente é que não pode. Grinch seria o mínimo adjetivo para descrever o pobre coitado que se recuse a embarcar no carrossel do consumo.
Tenho medo das pessoas nesse período. Todas ficam meio surtadas. Fim de ano é fechamento de ciclo, época de renovação de energias no planeta e no cosmos, fica tudo meio desajustado. Quer uma prova? Então pise no pé de um na calçada, ou no corredor do shopping, para conhecer a mais pura manifestação do espírito natalino contemporâneo…
Natal em minha cidade não chega nem perto do “engarrafamento humano” que deve ser aí em Salvador (embora te desafio quanto ao clima. Aqui o troço é literalmente FOGO!). Mas, dentro das proporções de uma cidade pequena, nosso centro da cidade fica realmente intransitável. Trânsito de fazer inveja na mais lenta das tartarugas; um bando de pessoas carregadas de sacolas nas mãos, andando aleatóriamente de um lado para o outro, procurando mais… cada vez mais.
Eu não sei bem dizer, mas a sensação que tenho é de que somos assim de forma quase que inconsciente, o que torna a atividade de comprar presentes para os familiares no natal uma obrigação completamente sem sentido. Não pelo ato de presentear, mas pela falta de prazer em dar o presente.
Semana passada, minha mãe me procurou e pediu para que eu não lhe dê nada nesse fim de ano, porque ela está apertada e não poderá retribuir o presente… é mole?
Esse exemplo deixa um pouco mais claro o que estou tentando explicar.
Ainda tenho um pouco do que se pode chamar de “espirito de Natal”. Contudo, eu tento encontrar significado pra mim nisso. Dei a minha esposa uma semana inteira de presentes, que começou na segunda-feira, e está terminando hoje. Todos os dias ela se levanta, encontra um bilhete em algum canto da casa, onde deixo uma pista pra ela de onde escondi o presente. A “pobrezinha” passa horas tentando encontrá-lo dentro de casa, e até fora dela… Isso pode parecer meio brega, mas foi uma coisa que quiz fazer pra deixar o clima de natal um pouco diferente. E mais; minha adorável mamãe vai sim, ganhar um presente na noite de hoje…
Abraços calorosos, Andreia… E feliz Natal!!!
Obrigada por compartilhar um pouco da sua visão de Natal comigo e com os leitores do blog, Michel. Sua atitude com a sua esposa não é nada brega, provas de amor nunca são bregas. Muitas felicidades para vocês :)
Andreia, querida, embora quase nunca comente, ler os seus textos é sempre um grande prazer. Dá pra divividr “passeios” com você e ter sempre aquela sensação de uma boa conversa a cada pontuação. O bacana, nestes textos, é que eles chamam para um bate papo e mesmo que o interlocutor decida permanecer mudo aqui do outro lado, o pensamento tem sempre as respostas na ponta da língua: ora um “é isso mesmo”, ora um “Andreia ficou doida, foi?”, outras vezes ainda aquele “hummmm…. ainda não tinha pensado nisso”. Obrigada, amiga, por esses diálogos. E como nunca entendi muito bem o “Boas festas, ou o Feliz Natal”, mas acredito profundamente nos fins de alguns ciclos e começo de outros, no terminar e começar, nascer e morrer, dormir e acordar, te desejo toda força e energia necessárias para estar cada vez mais perto de sua estrela de Belém, aquela, que só a gente sabe onde está e para onde nos guia. E, como me disse um queridíssimo amigo, que você a siga, como os olhos voltados para o céu e os pés cada vez mais firmes nessa terra. É o que nos dá impulso! Com muito carinho! Beijo, Margareth.
Margot, minha muito querida, você demora de comentar, mas também quando decide soltar os dedinhos no teclado é para emocionar. Assim o coraçãozinho da pessoa não aguenta! Essa estrela brilha alta no céu para você também, que é uma pessoa com toda certeza em estágio avançado de iluminação. Beijos enormes e um abraço bem apertado, carregado de boas vibrações, que é para o novo ciclo começar abençoado :)