Romance em linhas e curvas
Econômico nos traços e nas palavras, David Mazzucchelli consegue dizer muito da condição humana com a sua novela gráfica de estreia, Asterios Polyp, lançada no Brasil agora em outubro, pela Quadrinhos na Cia (divisão da Companhia das Letras). Trata-se de uma história de amor e autodescoberta sem arestas aparadas, em linhas retas e firmes, deslizando em curvas ocasionais que se insinuam nas entrelinhas. Profundo, sem ser arrogante, simples, sem conceder espaço às simplificações banais, Asterios conquista pela beleza plástica e por uma narrativa concisa e criativa.
Diria que é ao mesmo tempo ácido e delicado, realista e também romântico. A arquitetura usada como metáfora para a vida e para discutir desde o casamento até a amizade e a sociedade contemporânea parece um lugar comum, mas a vida em seus lugares comuns pode surpreender.
O texto e as imagens se complementam em simbiose perfeita, um dando sentido ao outro e às vezes, um dispensando o outro. Mas a entrelinha está ali, cheia de significados.
A história – Asterios Polyp conta a história de um renomado professor universitário – homônimo ao livro – e autor de projetos arquitetônicos visionários, mas que nunca saíram do papel. De temperamento irascível, tirado a Don Juan, preconceituoso, arrogante, ranzinza, racional e pragmático ao excesso, Asterios tem sua vida narrada pelo gêmeo Ignazio, natimorto, e que funciona como um duplo fantasma, em um fascinante jogo de espelhos.
O ponto de partida é um incêndio que consome toda a vida já decadente de Asterios, e do qual ele salva apenas a roupa do corpo e alguns poucos pertences, aparentemente insignificantes, mas que ao longo da trama vão se revelando vitais em determinadas fases da vida do personagem. Após a tragédia, ele parte em uma jornada em busca de si mesmo e de um sentido novo para a própria vida. O ex-acadêmico passa a morar com uma família típica média do interior dos Estados Unidos e vê a própria existência em perspectiva, repensando desde a infância até o casamento que parecia perfeito, mas fracassa.
É uma obra de arte que celebra a vida e o amor, embora traga aquele travo de ironia e desencanto dos tempos modernos, cheia de referências filosóficas e existencialistas, mas que não deixa de transbordar aquela humanidade encontrada ao dobrar de uma esquina. Trabalho de mestre, sem dúvida, para deleite dos amantes de quadrinhos. Mas é ainda uma saborosa descoberta para quem se aventura nesses mares pela primeira vez.
O autor – David Mazzucchelli é mais conhecido por seus trabalhos em Demolidor – o homem sem medo e Batman: ano 1. Contemporâneo de Frank Miller, Alan Moore e Neil Gaiman, ele nasceu nos EUA, em 1960. Asterios Polyp é sua primeira graphic novel e uma estreia altamente promissora na seara dos trabalhos autorais. Antes, além de trabalhar com Moore na série Demolidor, ele havia adaptado Cidade de vidro, de Paul Auster (Leviatã, Noite do Oráculo), para os quadrinhos.
Ficha Técnica:
Autor: David Mazzucchelli
Tradução: Daniel Pellizzari
Editora: Companhia das Letras / Quadrinhos na Cia
344 páginas
R$ 63,00
*Também publicada em Luz sobre a escrivaninha, blog no portal A TARDE On Line.
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