Sou adepta de mudanças frequentes e a rotina me entedia profundamente, a ponto de afetar o humor, de repercutir na saúde. Dizem que a causa está nos astros, que Áries, o meu signo, é de eterna construção, de abrir ciclos. Isso e também uma curiosidade enorme – um traço de personalidade que não tem relação com ser enxerido, mas com descobrir coisas – me levam sempre a querer mudar. Podem ser alterações sutis e banais, a cor da tinta do cabelo, por exemplo; ou aquelas de grande impacto, como mudar de emprego, de cidade, de país. Mas sempre tenho em mente que mudar é bom, que possibilita novos aprendizados, leva a rever conceitos, nos faz progredir espiritualmente, na vida e na carreira. Estagnação não faz rima com frustração à toa.
Em alguns momentos, mudar significa retomar um antigo ponto de partida, mas que nunca é de fato o mesmo, porque as coisas mudam na medida em que muda a nossa percepção delas. Voltar às origens, rever os próprios passos, é uma forma de mudança também. Acredito que em alguns momentos é preciso recuar um ou dois passos, para avançar três ou quatro em outra oportunidade. Isso não é fracasso, é sabedoria, estratégia.
Só que a necessidade de mudança permanente, de criar diariamente, de abrir frentes, de rever e aprimorar, não pode nunca ser confundida com instabilidade. A mudança só é de fato positiva quando proporciona novos ciclos, quando sabemos da hora de deixar alguma coisa morrer nas nossas vidas para que a partir daí outra coisa possa nascer das cinzas, como no mito da Fênix. Ou renascer transformada, melhorada. Essa é a mudança pela qual anseio diariamente. O tipo de mudança que leva à evolução, que faz conexão com o self criativo, selvagem e pulsante, como diriam os analistas junguianos.
De instabilidade não gosto. Daquelas mudanças bruscas que só servem para destruir coisas positivas que foram construídas antes de mim, iconoclastia pura e simples, definitivamente, não gosto. Porque é burra, imatura, não é criativa, não é uma renovação energética, ao contrário, é desperdício. E desperdiçar energia faz mal para a saúde do corpo e da mente.
Chega uma época na vida em que poupar energia para o que de fato importa é questão de sobrevivência. E mudar para ser do contra, só porque sim, não é uma das formas mais inteligentes de economizar energia. A instabilidade de pular de galho em galho é como um grande dreno acoplado ao nosso centro vital, puxando e sugando o que de melhor há em nós e jogando-o em terra árida e infértil. Com o tempo, a fonte começa a secar, o terreno continua tão seco quanto antes e a aridez de fora, que deveria estar sendo combatida, migra para dentro, espalhando o deserto. Cena muito triste!
Fujo do deserto. Não daquele romântico dos tuaregues, porque ali também há vida. Mas desse deserto da falta de criatividade, da falta de pulsação, de desejo pela vida e pelas “eternas novidades do mundo”, alimentado pela rotina autómata. Esse deserto mata, e depressa. Não gosto de me sentir acuada, presa por quilômetros de aridez e desolação.
Algumas vezes já caí na armadilha do deserto, todos caímos ao menos uma vez na vida. E até adoeci, deixei-me drenar até quase o limite. Mas bem ali, na fronteira, quando as areias engoliam tudo de verde e de viçoso ao redor, sobrava uma ilha, uma centelha.
No momento, vasculho a imensidão em busca de uma ilha dessas, da fagulha que preciso alimentar incessantemente, até a fogueira das ideias arder em altas labaredas novamente…
Pingback: “Seja sempre assim”… mas mude! | Mar de Histórias
Leminski é maravilhoso! Obrigada, Venâncio :)
O texto primoroso de Andreia me remete a um texto de Leminski mais ou menos assim:
“caos
massa rude a indigesta
apenas peso inerte
desconjuntada semente da discórdia das coisas
terra, mar e ar
ciciam
confundidos”
E completo: Na mudança, na metamorfose e no caos a vida se completa…