Mulher Sem Retoque: Maria Alice não quer ser Penélope

Maria Alice tem a sensação de que a pessoa a quem ela ama julga-se de menos, que não se sente à sua altura e por isso foge dela como se portadora de doença contagiosa fosse. Tudo o que Maria Alice deseja é que esta doce criatura dos seus sonhos compreenda que não está nem de sobra, nem em falta, mas justamente na medida. Se o problema for altura, ela até abre mão dos saltos altos que usa desde os 15 anos. Maria Alice gostaria de entrar na cabeça dele, mexer em uma ou duas engrenagens, apertar dois parafusos, só o suficiente para abrir-lhe os olhos. Será que ele não vê que os dois são almas gêmeas? É tão óbvio! Certa vez, comentou com a amiga Maria Cristina o desejo secreto que às vezes a assalta, de poder entrar na mente das pessoas e mudá-la. Não usaria este poder em mais ninguém, só nele. Ela não quer dominar o mundo. Conquistar um coração de pedra já está de bom tamanho. Maria Cristina um dia sugeriu uma conhecida, famosa em feitiços de amor, mística especialista em horóscopo e mitologia grega. E custa baratinho! Promete a pessoa amada em, no máximo, três dias. “Vá lá que seja uma semana, porque os assistentes de Cupido às vezes se perdem no caminho das flechas e é preciso paciência com esses caprichos do afeto alheio”. Maria Alice acredita-se muito paciente. Ficou tentada a apelar aos poderes de amarração, mas resolveu não arriscar. Lembrou daquela vizinha que tanto fez para agarrar um marido, mas mal conseguiu casar-se, enviuvou. Impossível, para ela, não recordar a madre superiora do colégio interno onde foi educada, que sempre advertia às meninas: “o diabo dá e toma”. Maria Alice não acredita no diabo e não crê que o que perdeu na vida tenha sido levado por ele. De Deus anda meio esquecida, mas até faria uma promessa ao santo que tem fama de casamenteiro, se tivesse a certeza de que assim o amado finalmente daria o primeiro passo, de preferência um passo bem comprido, salto triplo mortal carpado, caindo direto nos seus braços. De vez em quando Maria Alice se lembra de Maria Cristina – a mesma que recomendou os serviços da feiticeira – vaticinando como o oráculo de Delphos: “as pessoas precisam acontecer, é simples assim, elas acontecem. E vocês, querida, não aconteceram”. Mas Maria Alice tem outra teoria, não é questão de evento, é de caminho. O caminho dela leva até ele, disso tem certeza como o de respirar, mas o dele emaranhou-se como o de Ulisses e desviou-se, iludido pelo canto das sereias. O problema é que, mesmo paciente, a vocação de Penélope, ela não tem…

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4 pensamentos sobre “Mulher Sem Retoque: Maria Alice não quer ser Penélope

  1. Depois dá um pulinho lá no blog e me diz o que achou do conto que postei ontem. Comecei a arriscar nessa área de contos.

    Ah, saiu o resultado do top blogs?

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