Desfiando o novelo da memória
A memória é um novelo de onde basta puxar um fio e as recordações desenrolam-se. Às vezes, entrecortadas, porque o fio se rompe aqui e ali e precisa ser remendado. Mas na maioria das vezes, memórias passadas, principalmente da infância, tornam-se mais nítidas, em linha brilhante, grossa e resistente, com o passar dos anos. Minha Guerra Alheia, de Marina Colasanti (Editora Record, 2010), com sua prosa simples, direta e poética, é um desses novelos de memórias que fazemos questão de desfiar e enrolar novamente, só pelo prazer de outra vez esticar seus fios e saborear cada recordação da autora como sendo nossa.
A obra, escrita por uma Marina Colasanti já avó, retoma a vida da Marina menina, durante a II Guerra, na Itália. Mais do que uma autobiografia ou mesmo um livro de memórias como tantos que existem, trata-se de um relato lírico do cotidiano da guerra, que se formos reparar bem, na verdade foram muitas guerras. O conflito assume os contornos ditados pelo olhar de cada um que narra um fato, um episódio, seja trágico ou alegre.
E Marina nos conta da escola, da escassez de alimentos, das bombas e sirenes, da moda improvisada porque os tecidos eram para confeccionar as roupas das tropas, das brincadeiras entre pilhas de escombros, do medo encoberto, do tio que era estilista em Cinecittá… E são tantas outras histórias, numa ponte que une passado e presente, já que ela voltou às cidades de sua infância depois de adulta.
Embora seja baseado em fatos reais, na vida da autora e de seus familiares durante os anos do conflito, e nas andanças entre a África (onde Marina nasceu na colônia italiana de Eritréia) e a Europa, antes da imigração para o Brasil, Minha Guerra Alheia é uma obra otimista, que fala de sobrevivência.
Autora de mais de 40 obras, entre prosa, poesia, infanto juvenis e contos, Marina Colasanti lança mão da competência como jornalista para construir uma narrativa coesa e extremamente rica da guerra vista pelos olhos de uma criança. A saga de sua família pode ser a de muitas outras famílias que viveram o dia a dia da guerra. Apesar das notícias do front, a vida tinha de continuar e ela continuava, com o miudinho da existência ordinária – ou seria extraordinária? – de cada um. Havia morte, mas principalmente, havia esperança de vida no ar.
Exímia contadora de histórias e uma das romancistas mais inspiradas que a literatura brasileira já produziu, ela nos conduz pela mão, de forma delicada, em uma viagem ao passado romântico das décadas de 30 e 40. O livro, em determinados momentos, parece um conto de fadas, talvez pela força das figuras de linguagem e da prosa cativante de sua autora. É leitura que vale por demais a pena!
Ficha Técnica:
Marina Colasanti
Editora Record
288 páginas / R$ 39,90
*Leia um trecho da obra aqui.
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