Éramos cinco criaturas “indormidas” e com mais duas horas de plantão pela frente. Passava das duas da madrugada e a conversa começou por acaso. Alguém comentou sobre um antepassado português e uma coisa foi puxando a outra, num novelo emaranhado em muitos fios. Começou pela saga do antepassado, avançou para a colonização portuguesa, a vinda da família real para o Brasil – fugindo de Napoleão – enveredou pela religião católica, daí para passar aos cultos “pagãos” da antiguidade foi só desatar outro nó, que logo em seguida emendou-se com a sexualidade feminina, o machismo, o que era socialmente aceito no tempo das avós e que hoje em dia não se justifica mais. A infidelidade masculina e até a vida sexual de Jesus! Pura especulação: o Salvador era solteiro, casado, pirigueto ou foi só um cara pego para Cristo?
“Meu pai diz que homem é tudo igual, mas que mulher, mesmo quando é uma só, vale por várias. Se um homem quiser dormir cada dia com uma mulher diferente, não precisa sair de casa, porque a dele tem muitas dentro de uma só”. Achei a teoria interessantíssima. “Seu pai é um filósofo!” “Ha Ha Ha, hoje aqui todos somos”.
Em pouco tempo, toda uma revisão do pensamento ocidental foi feita canhestramente, com um se metendo na fala do outro, cada qual somando – ou tirando – pontos nesse costurar de uma grande colcha de retalhos do conhecimento humano. E como falar em catolicismo sem citar o celibato não vale, lá se foram os padres entrar na roda. “Conheci uma mulher de padre”. “Oxe, eu também!”. “E filho de padre?” “Claro, ué”…
Haja fôlego, o blá blá blá continuava, com um tema engatando-se no outro, o combustível do trem do pensamento? Uma mistura insólida de adrenalina e tédio, com pitadas generosas de frustração. “Mas vocês falam heim, parece até papo de bêbado!” Sempre tem um que acredita que o ser humano precisa de mais aditivo do que aqueles que o próprio corpo fabrica. “Tem bêbado aqui não, tá todo mundo de cara, mas tédio faz surtar, adrenalina dá barato e a antítese da frustração é a ironia”.
“Acho que superamos a ironia e já entramos no terreno árido do sarcasmo.”
“Poh, falou bonito agora, vou até anotar!”
“Então anote aí também: fim das transmissões, faltam só quatro dias agora.”
“E o resto da conversa?”
“Que resto?”
“A conclusão desse samba aqui, oras!”.
“Bota aí umas reticências, amanhã tem mais plantão e a gente retoma de onde parou…”