Nunca deixo de lembrar, todo ano quando começa o Carnaval, uma frase que ouvi anos atrás do antropólogo Roberto Albergaria, que define a folia momesca como uma festa “em que todo mundo pula com a mão na cabeça, para não perder o juízo”. Já devo ter repetido essa frase umas quinhentas mil vezes, é meu mantra sazonal.
Ano após ano, a permissividade, a falta de juízo construída de propósito, para dar audiência, a loucura incentivada pela mídia, a violência física e aquela subentendida em atitudes, letras de música e comportamentos que fazem questão de desrespeitar o próximo – e sobretudo as próximas – , só me fazem recordar o velho “Berguinha” e tomar mais nojo da festa. Não é novidade para quem acompanha o Mar de Histórias que odeio Carnaval, mas, por força da profissão sou obrigada a trabalhar nele, todo ano!
A violência já começa daí, ser obrigado a interagir num ambiente que não é seu habitat natural é violência. Mas quem achar que em nome da sobrevivência de vez em quando a gente não se violenta, é melhor acordar, Dorothy: “não estamos mais no Kansas”.
A minha cisma com o Carnaval é energética. Minha ortodontista, que é espírita, diria que é mediúnica. Segundo ela, tenho sensibilidade para perceber essa aura pesada, de loucura e descontrole, que toma conta do país, mas que em Salvador tem seu foco maior. Por isso, diz, sofro tanto nessa época do ano. Sem afirmar ou negar a crença da minha dentista, sei que o Carnaval me assusta desde criança. Nas poucas vezes em que fui à rua como foliã (todas antes dos 20 e acompanhada de familiares), não me diverti tanto quanto queriam.

Essa criança de olhar triste para a câmera sou eu, aos três anos, no que teria sido meu primeiro Carnaval. Minhas tias contam que chorei até não poder mais ao ver os pierrots de Plataforma (a fantasia dos caras lembra o uniforme da Klu Klux Klan!)
Dia desses, uma outra conhecida comentou com minha irmã que a época do Carnaval é imprópria para tomar decisões, começar projetos ou levar adiante qualquer desafio. Ela não falava necessariamente da interdição das ruas ou dos bancos e repartições fechados. Era algo mais visceral: o reinado de Momo, o rei bufão, é carregado de uma energia ruim e pesada, que impossibilita – ou ao menos dificulta muito – as iniciativas que não tenham relação com o vórtice de insensatez que engole até quem não gosta da folia.
Até onde eu sei, a avaliação dessa conhecida não parte de uma visão religiosa específica, apenas constata o que muita gente – não apenas eu – sente na carne e também na alma: esse é um período desagradável, desconfortável, opressivo e claustrofóbico (música alta demais, gente demais por metro quadrado), para dizer o mínimo. Irritação acaba virando minha palavra de ordem, porque infelizmente, por mais que racionalmente tenha consciência de que é passageiro, a mim parece um caos eterno.
Conto os dias de Carnaval – “essa festa que não é de Deus” -, como diria outra conhecida, sempre como um a menos, torcendo para o calendário avançar em passos de marcha forçada e a Quarta-feira de Cinzas chegar num piscar de olhos. Só que, infelizmente, esses também são os dias mais longos do ano. Minha percepção da folia é como daquela criança que detesta ir à escola e fica olhando, torturada, o escorrer das horas…até tocar a sirene!
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