Recebi da Sepromi (Secretaria da Promoção da Igualdade), o livro Carnaval no Feminino, com 38 perfis de mulheres que fizeram e fazem a história da folia baiana, seja como dirigentes de blocos, artistas ou mesmo nos bastidores da festa, segurando as cordas dos blocos. Neste sábado, sairá uma resenha/reportagem minha sobre o livro, no Caderno 2+ de A TARDE, onde colaboro sempre que o tempo deixa.
Lendo Carnaval no Feminino, neste domingo à noite, e já pensando na estrutura do texto da resenha, fiz uma descoberta que, com o perdão do chavão, só me faz amar ainda mais a minha ingrata profissão de jornalista. Um dos perfis do livro da Sepromi é da poeta Rita Mota, primeira mulher a integrar a ala de compositores do Ilê Aiyê, bloco afro mais antigo de Salvador e que, coincidentemente, nasceu no mesmo ano que eu, 1974. Ou, eu é que nasci no mesmo ano em que era criado “o mais belo dos belos”.
No texto do perfil, Rita Mota conta que em 2000, foi a primeira vez que ela venceu o concurso que escolhe a música-tema do bloco, que naquele ano seria Terra de Quilombolas. A poeta diz que em busca de material de pesquisa para criar a letra que inscreveria no concurso, deparou-se com uma reportagem em um jornal local – “um caderno especial sobre quilombos” – que a inspirou e ajudou na hora de contar a história de resistência dos quilombolas na sua música-tema.
“Senti que a sorte estava a meu favor. Como vim do interior da Bahia, o tema me fez recordar das casas de taipa com chão batido, a luz do candeeiro, e das bonecas feitas de manaíba (tronco da mandioca). Criei a música de forma muito rápida e tranquila”.
Quando li esse trecho do perfil de Rita Mota me arrepiei e saí pulando pela casa, com o livro na mão, em estado de êxtase e euforia ao mesmo tempo, deleitada e amando, com cada fibra do meu corpo, ser jornalista. Quilombos foi a primeira reportagem especial que assinei na minha carreira, em maio de 2000, em co-autoria com as jornalistas, hoje doutoras, Agnes Mariano e Mônica Celestino, no jornal Correio da Bahia (hoje Correio*), no extinto caderno Correio Repórter. Em 2009, relembrei essa reportagem aqui no blog.
Coube a mim, enquanto Mônica e Agnes exploravam a história de Palmares e os quilombos urbanos de Salvador, viajar para o interior da Bahia, atrás das comunidades quilombolas de Rio das Rãs (região de Bom Jesus da Lapa) e Barra/Bananal/Riacho das Pedras (em Rio de Contas – Chapada Diamantina). Ilustraram o caderno, fotos do repórter fotográfico Manu Dias.
Rita Mota nem sabe quem eu sou – numa página de jornal, um jornalista é só um nome – e eu mesma não conhecia o seu belo trabalho até ler o perfil em Carnaval no Feminino. Mas, há dez anos atrás, numa dessas sinergias misteriosas do universo, existiu uma conexão entre mim e esta mestra da métrica. O que eu vi e descrevi em palavras e o que Manu captou com seu olhar treinado de fotógrafo, ajudaram na lírica desta poeta e deram a ela um prêmio importante, o mais cobiçado por outros poetas da comunidade do Curuzu, ter sua letra escolhida como tema do Ilê.
A mim e à equipe que fez o caderno, os quilombos também deram um prêmio jornalístico (O troféu Coelba de reportagem, em 2001). E, principalmente, da resistência daqueles bravos de Rio das Rãs e da Chapada, tirei uma lição de vida!
Amiga, sinto-me a vontade para tratar-lhe assim. Afinal de contas, está claro que as maravilhas deste mundo se encontram, não tenha duvida. Somos pessoas especiais para alguém especial. Hoje você é o meu alguém e certamente eu sou o seu. Se as fibras do teu copo tremeram, meus feixes musculares se alongaram. Gosto de emocionar-me e emocionar. Veja o resultado da nossa emoção:
Chico Tomé ô Chico Tomé
Os irmãos ilê veio trazer-te um abraço
Deus, axés a militânças e labutas
Quilombo de rãs é o nosso espaço.
Faz tempo que a corrente quebrou, que chicote partiu,
Que tronco apodreceu, que as terras não saíram
Que não temos feitor, só barreiras impotentes
Ilê rompe barreiras, como quebrou correntes.
Aí que saudade, do meu povo quilombola
Das juremas de terreiro, capoeiras e violas
Até da enxada, da labuta cansativa
Do pilão pra socar milho, e bonecos com manaíba.
E da cabaça, faço a roda um carrinho,
Brincadeiras inocentes dos pequenos quilombinhos
Tudo era simples, sem a tecnologia
Uma casa de taipa, luz de candeeiro
E um povo de batalha hospitaleiro.
Quem se emocionou:
Caetano Veloso;
Professora Ana Célia;
Professor Jonatas Conceição (In memoriam ).
Oi Rita,
Muito obrigada por este contato, você não imagina o tamanho da alegria e da emoção que senti ao ler seu perfil no livro Carnaval no Feminino :)
Esse poema é lindo demais, para encantar, com toda certeza. Guardei o número de contato e o email que você deixou aqui. Beijo grande