Ecos de uma escola que já não é a mesma

Viajava em um ônibus esta semana e no banco de trás, duas estudantes adolescentes falavam do meu antigo colégio, o Raphael Serravale. Cursei o ginásio (atual ensino fundamental II) nessa escola pública (sempre estudei em escolas públicas, até a faculdade). Lembro que na ocasião, foi um sacrifício conseguir vaga. Uma tia acordou de madrugada para ficar na fila da matrícula. Houve um tempo em Salvador, em que para conseguir matricular um filho ou filha numa “boa escola do governo”, os pais dormiam na porta das unidades de ensino. Apesar da propaganda oficial negar há anos, a cena ainda ocorre. Quem quiser ver que vá até a periferia da cidade.

No caso do Serravale, entre as escolas públicas de Salvador, no começo dos anos 90,  este, que funciona em um bairro nobre, era considerado top de linha. Causava inveja nos conhecidos de minha mãe saber que ela havia conseguido que as filhas estudassem no “velho Serra”. O ensino era muito bom, tinha professor para todas as disciplinas, a estrutura do colégio era ótima, tinha quadra de esportes, auditório, uma classe para alunos surdos. No intervalo, mesmo sem que se discutisse a inclusão, praticávamos  a linguagem dos sinais e improvisávamos brincadeiras em que a ausência de som para uma parte do grupo era só um detalhe. Todo mundo se entendia naquele começo de adolescência, falando com as mãos, os olhos, a voz, ou em silêncio. Era bonito.

As meninas no ônibus comentavam de forma banal sobre a violência que invadiu não apenas o meu antigo colégio, mas centenas de outros na capital baiana. Não está nos jornais – a menos quando ocorre um crime, pois alunos armados não é algo incomum -, mas o cotidiano das escolas públicas de Salvador deixou de ser aquele do qual me recordo com saudade. Sem saudosismo, apenas a velha nostalgia, e sem tapar o sol com a peneira, porque valentões sempre existiram na escola, bagunceiros também e brigas idem. Mas eram em muito menor proporção e, ao menos que eu me lembre, nem nos cursos noturnos aconteciam cenas como um aluno entrar e atirar no peito de outro dentro da sala de aula, como os jornais contam que ocorre cada vez com mais frequencia.

Mas agora, o tráfico e as rixas por drogas dominam o universo escolar e quem disser que é exagero meu, que saia do conforto do ar condicionado do carro e ande de ônibus, escutando a conversa dos estudantes. Quem duvida, que também pare de ler as estatísticas fajutas da Secretaria de Educação, que o governo atual herdou do anterior e que, ao que parece, vai legar ao próximo. O negócio é aprovar o aluno, saiba ele o conteúdo ou não. Os professores mal remunerados, indiferentes e assustados, não conseguem, não podem, ou não tem interesse em controlar jovens que já perderam o controle dentro de casa há muito tempo.

Os meus professores não tinham medo dos seus alunos, mas os de hoje tem.

As meninas no ônibus, uma aluna do Serravale e a outra do Pedro Nogueira, conversavam sobre as rixas entre os estudantes das duas instituições. Alunos do Nogueira e do Serravale se agridem a ponto de tirar sangue uns dos outros. Ao menos era o que elas diziam. Não tenho como provar porque não fui até lá munida de bloquinho, caneta e câmera digital, para documentar em reportagem oficial. Isso aqui é só o meu blog pessoal e o texto é um desabafo de ex-aluna e de uma pessoa que além de ler jornais todos os dias, de trabalhar em jornal, também anda pelas ruas da cidade e respira o medo velado que acompanha os moradores de Salvador como uma sombra. Medo de ser assaltado no ônibus a caminho do trabalho, medo de um filho sofrer agressão na escola, medo de bala perdida!

Segurança Pública? Insegurança pública, coletiva e impessoal (porque afeta até mesmo quem tenta se proteger nos shoppings centeres).

Lamentei profundamente as cenas que as adolescentes narravam e discutiam com tanta naturalidade na voz, como se fosse a coisa mais comum, normal e até esperada, o fato de haver guerra de gangue dentro de uma escola, ou de pais e mães receberem a notícia de que devem buscar um filho, sangrando, na diretoria do colégio. Isso quando não é no hospital.

A violência, ao que parece, virou matéria obrigatória nas salas de aula, mas não na teoria.

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