Ela ficou mocinha!

A vizinha tocou a campainha depois da reunião de condomínio. “A senhora já viu como a minha filha está crescida? Já tem peitinhos!” A cena rememorou antigos ecos da infância. Reavivou as memórias de uma ex-menina de onze anos que havia se tornado mulher na distante primavera de 1985. A notícia correu a família feito rastilho de pólvora. Não havia telefone em casa, na época. Do orelhão da esquina, a mãe, inchada de orgulho feito um pavão, alardeava a menarca da nova mocinha do clã. A menina, em casa, tentava primeiro entender e depois lidar com a novidade (e com as almofadinhas de algodão que lhe ensinaram, de agora em diante, teria de usar entre as pernas, todo mês, por longos anos).

Será que na escola iriam notar? Estava escrito na testa dela que havia ficado mocinha? E se ninguém mais quisesse brincar com ela? No rosto da filha da vizinha, também de onze anos, a mulher adulta flagrou a pergunta numa rápida troca de olhares: “e depois dos peitinhos vem o quê?” Também não deixou de sentir pena e uma certa nostalgia do constrangimento da garota. De volta ao passado, vergonha das vergonhas, o pai, que era separado da mãe e morava em outra casa, iria receber a notícia da boca de uma tia. “Olha, você precisa aumentar o valor da pensão dessa menina, os absorventes entraram na contabilidade da mãe dela”. O pai ergueu os olhos das palavras cruzadas e fitou a garota, vermelha feito um tomate maduro, toda encolhida por trás da tia. Misto de pena e orgulho no seu olhar, um lampejo de solidariedade, mas na sequência, as palavras cruzadas voltaram a ser rabiscadas de cima para baixo, da esquerda para a direita, na folha do jornal.

A grande dúvida era se “ele iria contar isso para a nova namorada. Será que aqueles amigos do bar, que sempre dizem ‘mas como está crescida!’ iriam saber também?” Uma constatação que só ocorreu décadas mais tarde: o desejo secreto de todas as meninas que se tornam mocinhas é que seus pais, mesmo morando em casas separadas e tendo novas namoradas, sejam menos boquirrotos que as mães. Outro desejo secreto: que a campainha da vizinha esteja eternamente enguiçada…

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