Notícias tristes e alegres fazem parte do dia a dia de qualquer pessoa, mas na existência de um jornalista as duas se alternam em uma velocidade assustadora. Enquanto eu redigia o post comemorando minha primeira matéria de política, grão de areia no mundo que sou, morreu um dos meus escritores favoritos: José Saramago, meu filósofo de cabeceira, um dos homens com a mente mais lúcida, lúdica e brilhante do século XX e deste começo de século XXI. Sem dúvida, muito mais que um grão de areia ou que a poeira cósmica da qual, dizem, somos todos feitos. Ele era um dos grandes! Prêmio Nobel de literatura em 1998, ganhou com o livro que no momento estou lendo: Memorial do Convento (maravilhoso como tudo o que escreveu. Prometi resenha aqui no blog quando terminar).
O primeiro livro com que conquistou notoriedade, Levantado do Chão, de 1980, foi também o primeiro dele que me chegou às mãos, comprado em edição de bolso, em banca de revista, mais de dez anos atrás. Levantado do Chão é um libelo ao homem do campo, a liberdade e a terra. É comovente e poético.
Uma vez, num gesto apaixonado, acredito ter salvo um amigo com O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Quero acreditar que sim, porque as palavras de Saramago me curaram de muitas dores, em diversos momentos…
Quem era: Nascido em 1922 em uma família de camponeses, José Saramago era escritor autodidata, aprendeu o caminho das pedras sozinho, depois de trabalhar como serralheiro, lavrador e mecânico. Começou a escrever em 1947, foi jornalista e largou as redações em 1976, perseguido pela ditadura de Salazar. As ideias revolucionárias e profundamente humanas de Saramago metiam medo na época, ainda metem, porque ele faz o leitor pensar, faz olhar para dentro de si mesmo e do que há de mais mesquinho, mas também de mais nobre na alma humana.
O conforto é saber que Saramago morreu em casa, em Lanzarote, nas Ilhas Canárias. Teve o que o povo do interior chama de “boa morte”, na companhia dos seus. Passou mal após o café da manhã e num instante, desprendeu-se deste mundo. Contava 87 anos, uma idade linda, porque viu de tudo nessa vida, de bom e de ruim. Suas palavras porém, para mim, ao menos, serão sempre imortais e estão aqui ao alcance da mão.
Uma colega, após receber a notícia da morte do autor, mandou a seguinte frase dele, pescada do blog Caderno de Saramago:
“Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é só um dia mais”.
O blog de Saramago foi atualizado nesta sexta, dia 18. Por conta de fuso horário, a sexta-feira chega mais cedo em Lanzarote. As últimas palavras do mestre não poderiam dar exemplo maior do quanto, apesar do tanto que ele viu e viveu, sua morte é prematura, pois estava no auge da forma:
“Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de reflexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte nenhuma”.
Nossa paixão por Saramago é outro encanto em comum que temos, Andreia.
Somos criaturas encantadas com toda certeza, meu querido. Grande beijo!