De volta ao trabalho, o ritmo de filmes diminui sensivelmente. Sem contar que a lista de leitura anda robusta. Nos últimos dias, assisti três coisinhas. Duas inéditas (para mim, que ainda não tinha visto) e uma revista, porque simplesmente considero este o melhor Tim Burton de todos os tempos. Na ordem em que foram vistos:
A ilha – O filme é de 2005, dirigido por Michael Bay. Na ocasião não me interessei em ver e dessa vez, o que despertou a curiosidade foi o fato da produção referenciar dois clássicos da literatura que li recentemente: 1984 e Admirável Mundo Novo. Confinados no que seria um complexo de segurança máxima contra radiação, grupos de seres humanos vivem controlados por uma organização quase ditatorial (1984). Vestem-se iguais, são separados por castas e recebem condicionamento desde a vida placentária, sendo todos gerados fora dos corpos de suas mães, via processos de clonagem (Admirável Mundo Novo). O maior sonho dos habitantes do complexo é ganhar na loteria e ter o privilégio de conhecer “a ilha”, um paraíso que seria o último lugar na terra livre da tal catástrofe ambiental que culminou no confinamento. Dois jovens, Lincoln (Ewan McGregor) e Jordan (Scarlett Johansson) que nasceram sob confinamento, acabam descobrindo que o sonho da ilha não é exatamente a ideia de paraíso que todos faziam e, numa fuga alucinante (aqui o filme descamba para um thriller de ação com tiros, explosões e escapadas miraculosas), tentam salvar suas vidas e dos demais habitantes do complexo. Apesar de fazer referências claras aos livros de George Orwell e Aldous Huxley, não existe o mesmo comprometimento ideológico no filme como nas obras originais e nem o mesmo questionamento filosófico, que é justamente onde reside a força das duas histórias. Mesmo a clonagem de seres humanos e a transformação de grupos de pessoas em autômatos, usados no filme da mesma forma que descritos nos livros, é só um elemento a mais, que contribui para fazer da produção um blockbuster como tantos outros. Nota 7.
Vicky Cristina Barcelona – Por ser Woody Allen dispensaria apresentações e só ele mesmo tem a capacidade de passar a vida toda filmando sobre um mesmo tema: os encontros e desencontros do amor e a neurose contemporânea; e ainda assim conseguir ser inédito em toda a sua filmografia. Ao menos para mim, que adoro as produções do diretor de Hanna e suas irmãs. O enredo aparentemente simples – duas amigas que decidem passar férias na Espanha, uma para fazer pesquisa acadêmica e a outra para curar dor-de-cotovelo, vivem situações afetivas inusitadas na caliente Barcelona -, esconde os meandros que só Allen consegue revelar por baixo da aparência ordinária das coisas. E a vida é isso mesmo, uma sequência de atos insignificantes, às vezes absurdos, mas fabulosos quando encadeados e entrelaçados com as vidas de outras pessoas. O elenco da produção é um capítulo a parte. Nunca li nada sobre os métodos de filmagem de Woody Allen, se comunga ou não na escola dos diretores carrascos (Hitchcock e Lars Von Trier, por exemplo), mas a sensação é que consegue arrancar de seus protagonistas uma entrega fantástica aos papeis. Aos meus olhos, é como se todos se divertissem no set, crianças crescidas brincando de enlouquecer. Penelope Cruz (que rouba a cena como a artista plástica esquizofrênica), Scarlett Johansson (que quase sempre vale a pena ser vista), Rebecca Hall (as falas mais mordazes do filme saem da boca da atriz) e até o carão e o ar que mistura canastrice com “sou o menino da mamãe”, de Javier Bardem, contribuem para transformar o filme numa comédia despretenciosa e deliciosa. Adoro quando Woody Allen faz comédia despretenciosa, irônica e pontuada do ridículo do cotidiano. Nota 9.
Peixe Grande – Esse é meu Tim Burton favorito de todos os tempos, desde que vi, na estreia, no cinema, em 2004. Revi em DVD esta semana, apenas porque é um daqueles filmes que classifico como afetivos. A história é de uma poesia e um lirismo que, ao longo do tempo em que tem investido mais no exagero e no nonsense, Tim Burton meio que anda esquecido de como se faz. Ao lado de A Noiva Cadáver (animação stop motion) faz parte do que chamo de obras-primas do diretor. Fecha a trinca dos masters de Tim Burton (na minha modesta opinião) o igualmente poético Edward Mãos de Tesoura. Por esses três trabalhos, já dá para considerá-lo fantástico. Peixe Grande tem uma “história real” de conflito edipiano entre pai e filho, que se desdobra em paralelo à fantasiosa vida de contos de fadas de Edward Bloom (Ewan McGregor na juventude e o maravilhoso e fofo Albert Finney na maturidade). Tido como um grande mentiroso pelo filho, Bloom é admirado por uma legião de amigos, que veem nele ora um excêntrico contador de histórias capaz de transformar o ato mais prosaico em uma experiência inesquecível; ora um aventureiro a quem foi dado o privilégio de ultrapassar as fronteiras que separam o reino do sonhar da monótona vigília cotidiana. Pontuado por momentos de dramaticidade comoventes e por cenas de uma beleza digna das terras de Morfeu, Peixe Grande me lembra um cordel. A crítica especializada compara a jornada de Edward Bloom a uma releitura moderna do país de Oz, não discordo. Mas eu, cada vez que vejo o filme, penso naquelas narrativas fantasiosas, envolventes e cativantes dos cordeis, cantadas nas feiras do sertão. Nota 10 (com toda passionalidade possível).
Adorei o comentário sobre Vicky Cristina…O filme é uma delícia. Sou super fã de Woody Allen, desde os filmes mais “neuróticos” e verborrágicos e concordo que ele consegue ser diferente fazendo (quase) sempre o mesmo. Acho que ele está um pouco mais leve atualmente, mas sempre gracioso e inteligente. Abraços!!
Oi Mária,
Também adoro o Woody Allen e essa leveza recente dele tem me garantido momentos excelentes no cinema ou na sessão sofá. Beijo grande e obrigada por mais esta visita!