“Blood”

Coagulograma. O nome esconde um exame pavoroso, que eu odeio. A auxiliar de enfermagem limpa o dedo anelar da paciente (no caso, o meu) e posiciona um dispositivo que, em um clique seco, dispara uma agulha que fura o citado dedo (ai, que agonia isso me dá). Cronômetro em punho, a auxiliar conta o tempo que leva para o sangramento (tudo bem, é só um furinho) coagular… Um dia, lá nos idos do século passado, perguntei para algum adulto (provavelmente minha mãe, que era a vítima preferida dos porquês da vida) o que era hemofílico. Acho que tinha visto algum daqueles “caso verdade” que passavam na TV antes da novela, ou foi numa novela mesmo, em que um ator (o personagem, lógico) era hemofílico. Bom, a explicação veio mais ou menos assim: que era uma pessoa que tinha uma doença que impedia o sangue de coagular e se a pessoa tivesse um ferimento podia morrer de hemorragia (explicação tosca, se tiver algum médico lendo, eu era criança, não como as de hoje, criança daquelas que existiram até os anos 80). A questão é que a pavorosa ideia de alguém sangrar até morrer, por exemplo, ao cortar o dedo picando cenouras na cozinha me assombrou durante meses. Eu imaginava a pessoa lá coitada, se esvaindo em sangue, e o corte, pequenininho, parecendo as cataratas do Iguaçu, jorrando um manancial do precioso sangue da pessoa. Não tinha como dar ponto porque o sangue não parava de jorrar e o líquido, vermelho e grosso, começava a escorrer até pelos poros da criatura. Daí ela ficava sequinha e morria, pálida feito um vampiro igual aos dos filmes que minha mãe (muito liberal em questões de televisão) me deixava assistir (acho que era o Bela Lugosi) nos “corujões da madrugada”. As gotas rubras no meu dedo, escorrendo segundo a segundo, enquanto a auxiliar contava no cronômetro, me levaram de volta para aquele tempo de inocência…

Advertisement