“Como saber quais daquelas coisas eram mentiras? Talvez fosse verdade que as condições de vida do ser humano médio fossem melhores hoje do que eram antes da Revolução. Os únicos indícios em contrário eram o protesto mudo que você sentia nos ossos, a percepção instintiva de que suas condições de vida eram intoleráveis e de que era impossível que em outros tempos elas não tivessem sido diferentes. Pensou que as únicas características indiscutíveis da vida moderna não eram sua crueldade e falta de segurança, mas simplesmente sua precariedade, sua indignidade, sua indiferença. A vida – era só olhar em torno para constatar – não tinha nada a ver com as mentiras que manavam das teletelas, tampouco com os ideais que o Partido tentava atingir. Porções consideraveis dela, mesmo da vida de um membro do Partido, eram neutras e apolíticas, simplesmente questão de suar a camisa realizando trabalhos horrorosos, de lutar para conseguir um lugar no metrô, de cerzir uma meia velha, de arrumar um saquinho de sacarina, de economizar uma bagana. O ideal definido pelo Partido era uma coisa imensa, terrível e luminosa – um mundo de aço e concreto cheio de máquinas monstruosas e armas aterrorizantes -, uma nação de guerreiros e fanáticos avançando em perfeita sincronia, todos pensando os mesmos pensamentos e bradando os mesmos slogans, perpetuamente trabalhando, lutando, triunfando, perseguindo – trezentos milhões de pessoas de rostos iguais. A realidade eram cidades precárias se decompondo, nas quais pessoas subalimentadas se arrastavam de um lado para o outro em seus sapatos furados no interior de casas do século XIX com reformas improvisadas, sempre cheirando a repolho e a banheiros degradados”.
(Trecho de 1984, George Orwell. Companhia das Letras, p. 93. São Paulo, 2009)
Orwell escreveu o livro em 1949. Foi publicado no mesmo ano, meses antes da morte do autor. Quando concluir a leitura faço uma resenha por aqui. Talvez coloque Orwell para dialogar com o Admirável Mundo Novo de Huxley…