Era só uma desconfiança, mas que durante um tempo tentei ignorar, achando que era exagero. Mas, depois da conquista de Kathryn Bigelow, premiada com o Oscar de Melhor Direção por o seu Guerra ao Terror, no domingo, o que era “só uma ideia que me mordia feito pulga”, tornou-se uma quase certeza: os homens não se sentem confortáveis em ver mulheres atuando do lado de lá das câmeras. Para ser a brilhante estrela e competentíssima atriz como Meryl Streep ou a Kate Winslet as mulheres servem, para serem as gostosonas que exibem peitos e coxas como a Megan Foxx, idem, mas para dirigir um filme com baixo orçamento e conquistar um prêmio internacional, aí elas fogem da sua alçada.
Li e ouvi, alarmada, comentários masculinos dizendo que Kathryn Bigelow deve ter aprendido a filmar com o marido e que por isso ela faturou o Oscar. Se isto tivesse sido dito em outro contexto, no contexto da parceria que eu ainda acredito que casamentos funcionem (alguns pelo menos funcionam), não teria problema, pois tanto James Cameron poderia ensinar algumas coisas para Kathryn, quanto ela poderia ensiná-lo também. Mas, a frase foi dita e escrita no contexto do despeito. Kathryn Bilegow, com um filme que tem história e tem também um uso de câmera e uma fotografia impressionantes, desbancou a “Pocahontas high tech” (abençoada a cabecinha da Girafa, que criou essa expressão para Avatar) do ex-marido.
E os argumentos de quem defende a superioridade de Avatar sobre Guerra ao Terror são tão rasteiros quanto o roteiro do filme de Cameron (que aliás está sendo acusado de plágio). Entre as barbaridades que li – todas escritas por homens, não que eu me vanglorie disto, eu lamento a ignorância em qualquer gênero -, as que me deixaram mais impressionadas dizem respeito ao fato de algumas pessoas acreditarem mesmo que os 2,5 bilhões de bilheteria de Avatar é sinônimo de qualidade. Desde quando? Particularmente, Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino, é superior em roteiro, em presença da mão do diretor na filmagem, em autoria, em espetáculo cênico, na espetacularização da violência que tanto agrada Tarantino e que, a mim pelo menos, coloca para pensar cada vez que assisto aos banhos de sangue do diretor na telona.
O mérito de Avatar é o 3D e os recursos de computação gráfica de última geração, sim e daí? Tire a tecnologia, as camadas de tinta azul da pele dos Na´Vi e não sobra nada a não ser um discurso que se pretende politicamente correto, mas que fica aquém de outros discursos militantes do cinema que custaram bem menos e comoveram infinitamente mais. Dizer que Cameron levou dez anos planejando Avatar, para mim, é só comer a pilha do diretor e de sua megalomaníaca personalidade (oiiii!!, não foi ele que se declarou “rei do mundo”, quando o novelão Titanic faturou o Oscar e o Globo de Ouro de filme e direção?)
Se o Oscar fosse de fato uma disputa de filmes de qualidade narrativa superior e não um espetáculo de beija-mão como aqueles da corte de D. João VI, o páreo seria resolvido entre Bastardos Inglórios, Guerra ao Terror e UP – Altas Aventuras (sim, para mim UP merecia o Oscar de melhor filme em 2009 tanto quanto Guerra ao Terror, mas também fez jus à sua estatueta de melhor animação). Comparando as opções dadas pela Academia, Guerra ao Terror merecia muito mais o Oscar do que Avatar, que aliás não merecia nem estar na lista apenas porque faturou bilhões e levou dez anos sendo feito, apesar dos seus méritos tecnológicos; e Bastardos Inglórios merecia muito mais o Oscar do que o filme de Bigelow.

Guerra ao Terror: baixo orçamento, boa carreira internacional, boas críticas, olhar contundente sobre os efeitos da guerra na psiquê dos soldados
Mas ela venceu e o que incomodou foi o fato de ser ELA. Ao longo de 82 anos de Oscar, só quatro vezes as mulheres disputaram a estatueta de direção, ninguém reparou nisso?! – não acredito que por falta de competência das mulheres – e Bigelow foi a primeira a conseguir essa conquista, que, infelizmente, diante da nossa sociedade ainda machista e misógina, tem sim de ser encarada como uma conquista feminista. Tanto tem, que incomodou o público e os pseudo críticos de arte, que, travestindo suas críticas de análise filmica (sei), tentaram desconstruir os méritos da diretora e de sua produção. Alguns pseudo cinéfilos, que sequer viram o filme, chegaram ao cúmulo de dizer que era “mais um filme de guerra”. Nem comento. Até porque, outros filmes de guerra são clássicos da sétima arte, vide Apocalipse Now. Aaaah, mas o diretor de Apocalipse é homem, o que significa que só os meninos podem brincar de soldadinho e falar de guerra? Bigelow não fala tanto de guerra em si, para quem não se deu ao trabalho de ver o filme, ela fala de humanidade, medo, limites, nervos expostos, aflição, tensão na vida diária de soldados que em muitos momentos questionam “o que diabos estão fazendo longe de suas vidas e famílias para servir a pátria?”. E só precisou gastar US$ 11 milhões.
Refletindo sobre essa questão das mulheres e vivendo a experiência de escrever um blog de cinema para o jornal onde trabalho, percebo ainda que mulher do lado de lá das câmeras também incomoda quando elas decidem exercer a nobre arte da crítica cinematográfica. Os colegas, com exceções claro, ignoram solenemente a presença de uma autora em um blog de cinema, apesar da imprensa nacional e mundial ter muito boas críticas. Mas, o mais divertido é que muitos dos leitores que comentam no blog em questão, sempre se referem a autora do post como “amigo”, “companheiro”. Não se dão ao trabalho de ler a assinatura e ver que discutem com uma “amiga”, “companheira”; ou até, quem lê os créditos, ignora o fato, provavelmente porque “a blogueira deve ter aprendido a escrever sobre cinema com o marido”!